Um bom negócio

O European Bank of Investment apresenta uma colecção de arte sem risco em Portugal

Sem alaridos, quase imperceptivelmente, inaugurou há pouco, no Museu do Banco de Portugal, Within/Beyond Borders, uma selecção da colecção de arte do European Investment Bank (BEI). Comissariada por Delphine Munro, que é também responsável pela colecção daquela instituição, a exposição apresenta obras de 28 artistas oriundos de países da União Europeia (UE), ou de países candidatos à entrada na UE. Distribuídos pelos espaços da antiga Igreja de São Julião, apresentam uma panorâmica sem grandes surpresas da arte europeia dos anos mais recentes.

Como explica Munro, a selecção quis propor uma reflexão sobre o conceito de fronteira, numa altura que coincidiu, por alto, com as eleições para o Parlamento Europeu. Dividida em vários núcleos, que vão desde Perspetivas que desafiam os limites e o sagrado até Alma/Vórtice ou as diferentes abstracções, a montagem privilegia encontros inesperados e favorece o destaque que as obras pedem. Há associações que se percebem bem: por exemplo, no espaço da antiga caixa forte, que ainda mantém a pesada porta de metal, apresenta-se uma caixa de luz com o Institut du Monde Arabe No.18 de Ola Kolehmainen, uma fotografia de uma geometria rendilhada que responde implicitamente à complexidade metálica da porta do cofre. Uma grande escultura na nave central (de Tony Cragg) e uma outra fotografia (de Zofia Kulik) disposta como uma tapeçaria na cabeceira da antiga igreja destacam-se no rés-do-chão, antecedendo uma pequena câmara com obras de, entre outros, Boltanski e Pravdoliuv Ivanov, esta última também a imagem escolhida para a capa do catálogo: um néon que reproduz a linha de fronteira entre a Bulgária e a Roménia.

No primeiro andar, Munro adopou o critério formal para dividir as obras pelas duas salas principais. Numa, os herdeiros do minimalismo, de Pedro Cabrita Reis a Kounellis, passando por Jaume Plensa, Sean Scully e François Morellet, entre outros. Noutra, a explosão da cor: um Sarmento excelente dos anos 80, um painel do mesmo calibre de Pedro Calapez, e obras de Jan Fabre, Fiona Rae, Marlene Dumas, Anish Kapoor.

A selecção, assim, é inatacável. Dominam os artistas com carreiras consolidadas, e mesmo quando algum nome nos é desconhecido a obra apresentada insere-se como uma luva nesse estilo internacional que é hoje comum em qualquer lugar do mundo ocidental. O texto de Munro inserido no catálogo, de resto, é eloquente: logo no terceiro parágrafo, assegura-nos que todas as obras, estas e as quase seis centenas que compõem o acervo do BEI, foram compradas “na altura certa” e que por isso a colecção de arte foi feita “a custo reduzido”. As obras são compradas “tendencialmente” a artistas em início de carreira que depois se tornam “muito conhecidos”. E são adquiridas, quase sistematicamente, em feiras ou nos ateliers dos artistas.

Estamos no domínio do puro negócio. E a candura com que Delphine Munro expõe o que verdadeiramente lhe interessa na constituição da colecção reflecte-se na exposição que vimos: obras consagradas, que se valorizaram com o tempo. Ou, dito de outra forma, o elogio do investimento acertado. Ou ainda, para concluir, o modo de transformar o vil metal em algo que, afinal, não tem preço.

Talvez porque se trata de um banco, e talvez porque os bancos nunca deixam os seus investimentos ao deus-dará, não há, nesta exposição, qualquer risco. Não encontramos sinais alguns desses artistas em início de carreira que a comissão de compras do BEI vai desencantar nos ateliers e nas feiras de arte; o artista mais jovem presente na exposição tem 47 anos. E mesmo os três artistas portugueses que aqui encontramos — Sarmento, Cabrita e Calapez — são nomes consagradíssimos da nossa contemporaneidade.

E, por isso, pergunta-se: onde está o arrojo, onde estão os jovens artistas europeus que trabalham o conceito de fronteira? Não aqui. Mas também é certo que o arrojo nunca foi qualidade que se quisesse num banco. 

Sugerir correcção
Comentar