Socialistas preparam a nova batalha do Vimeiro

António Costa avançou mesmo contra António José Seguro, que fez saber que não vai facilitar a vida ao autarca de Lisboa. E, assim, será na reunião da Comissão Nacional no Vimeiro, este sábado, que se vão disparar os primeiros tiros da disputa interna socialista.

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O Vimeiro voltará a ser, 200 anos depois, palco de mais uma batalha. Foi ali que as forças anglo-lusas, em 1808, derrotaram as tropas francesas na primeira invasão napoleónica. Com a disponibilidade de António Costa para disputar a liderança, a localidade volta a assistir a um duelo. Desta vez, entre os dois socialistas, que se vão defrontar na reunião da comissão nacional do PS agendada por António José Seguro ainda antes das eleições europeias.

Até lá será tempo de contar as espingardas para cada lado, depois de o presidente da Câmara de Lisboa ter dado o tiro de partida. “Estou naturalmente disponível para assumir essa responsabilidade, de liderar essa mudança e garantir um governo sólido em Portugal, porque isso é essencial para a mudança que os portugueses disseram muito expressivamente querer”, declarou nesta terça-feira, após inaugurar um monumento em memória de Maria José Nogueira Pinto.

Poucas horas depois já o PS se dividia entre as duas facções em contenda, enquanto António José Seguro fazia saber ao seu adversário que teria de ser este a subir a colina para desencadear a batalha. A direcção não estava inclinada para facilitar a vida a António Costa ao convocar um congresso extraordinário. “Quem quer que se realize um congresso extraordinário vai ter de cumprir as regras que estão nos estatutos”, disse o secretário nacional António Galamba ao PÚBLICO. “É um movimento fora de tempo”, reagiu também Eurico Dias, um dos generais de Seguro, ao lembrar o sucedido há um ano, quando o autarca de Lisboa ameaçou avançar e depois recuou na disputa pela liderança.

À partida, a declaração de Galamba significa que a direcção pretende ver António Costa a trabalhar a partir de dois cenários. O primeiro implicará conseguir virar a seu favor uma larga maioria de elementos da comissão nacional – órgão máximo do partido entre congressos – que se reúne neste sábado no Vimeiro. Aí teria de forçar a votação de eleições directas que antecedem um congresso extraordinário. Actualmente, o autarca de Lisboa conta do seu lado com cerca de 33% deste órgão.

O segundo cenário está espalhado pelo país, obrigando a um trabalho de sapa para que António Costa arregimente federações para as suas fileiras. De acordo com os estatutos, a convocação de um congresso extraordinário e de directas pode também ser feita através “da maioria das comissões políticas de federações que representem também a maioria dos membros inscritos no partido”.

Mas esse não é o plano de batalha de António Costa. O ex-ministro de António Guterres e de José Sócrates quer forçar a convocação de eleições e do congresso pelo próprio secretário-geral. Foi isso mesmo que quis dizer, quando, após a sua declaração de guerra, afirmou que “a última coisa que o PS pode fazer e deve fazer é um processo que não seja claro, transparente, que [não] una o partido”. A reunião solicitada a Seguro para esta quarta-feira servirá para esgrimir esse mesmo argumento. Numa palavra, “clarificação”.

Enquanto os dois contendores tentavam escolher o melhor terreno para a batalha, as tropas cerravam fileiras – nomeadamente, as lideranças distritais do PS. Muitas reagiram à declaração de guerra considerando não ser este o momento para se discutir a liderança do partido. Mas também houve quem destacasse o “acto de coragem de quem discorda manifestar a sua discordância e a sua disponibilidade”.

Fernando Moniz, líder da distrital de Braga, acenou com os “sérios riscos” que uma candidatura de Costa representaria para o partido, transformando-o “num palco de guerrilha interna”. “Quando já estamos quase a avançar para um período pré-eleitoral das legislativas, o PS gasta as suas energias no confronto interno, correndo o risco de chegar sem forças às legislativas [de 2015]”, declarou ao PÚBLICO o ex-governador civil de Braga.

De certa forma, foi para isso mesmo que Francisco Assis alertou quando reagiu. O cabeça de lista às europeias admitiu temer que o interesse manifestado por António Costa possa prejudicar o partido nas legislativas de 2015, "se a questão não for rapidamente resolvida". Mas mantém que Seguro "não tem razão nenhuma" para marcar um congresso extraordinário e que são aqueles que o desejam que têm de o "activar", mobilizando as distritais e os militantes necessários para tal. "Se não conseguirem, fica o problema resolvido", rematou.

A reacção do PSD de Lisboa, a meio da tarde desta terça-feira, parecia dar razão a este receio. Pela voz de Miguel Pinto Luz, o partido da direita avisou que a “Câmara de Lisboa não pode ter um presidente a meio tempo”, afirmando que uma eventual candidatura de António Costa "defrauda o projecto que foi sufragado pelos lisboetas”. E pediu eleições locais antecipadas, se Costa decidir mesmo disputar a liderança do PS com Seguro.

Mas o debate prosseguiu no interior do PS. Rui Santos, que lidera a distrital de Vila Real, apelou à clarificação do partido, porque “pior do que uma boa guerra é uma paz podre". “Julgo que é natural que se clarifiquem posições e que essas posições tenham em consideração o país em primeiro lugar e o partido”, afirmou o também presidente da Câmara de Vila Real.

Na sua opinião, tinha de se “ouvir o partido e o país”, acrescentando que “o PS tem uma responsabilidade enorme de oferecer uma esperança aos portugueses e para oferecer essa esperança é preciso que internamente tenha a sua situação clarificada”.

Jorge Gomes, que preside à distrital de Bragança, entende que “não há razão nenhuma que justifique este tipo de posição". "Não está nem pode estar em causa o lugar de liderança quando tivemos uma vitória.” E apelou a que o partido resolva esta questão longe dos holofotes da comunicação social.

Na mesma linha, José Luís Carneiro, líder da distrital do Porto, disse não fazer “qualquer sentido uma candidatura ao lugar de secretário-geral”, porque o actual líder "tem toda a legitimidade para ser submetido às eleições legislativas" que conseguirá ganhar "com uma vantagem muito expressiva em relação aos partidos da direita".

Já Manuel Pizarro, um dos primeiros a reagir ao anúncio de Costa, elogia-lhe a coragem e afirma que a sua disponibilidade “vem dar um sinal de esperança ao PS, mas sobretudo ao país”. “As eleições de domingo demonstraram um enorme descontentamento com o Governo, mas também mostraram que nos últimos três anos o PS não se conseguiu afirmar como alternativa para governar o país em circunstâncias muito difíceis”, declarou ao PÚBLICO o presidente da concelhia do PS-Porto.

Da distrital de Santarém veio também o recado. “Este não é o momento para discutir a liderança do PS.” Na opinião de António Gameiro, que preside à distrital, o líder do PS merece “toda a confiança para continuar à frente do partido”, tendo em conta as duas vitórias eleitorais que averbou, mas também o trabalho que fez de reformulação do partido, tornando-o “mais atractivo”, e pelo lançamento das “bases ideológicas e estratégicas” para um programa de governo.

Mas do universo distrital chegaram outras vozes de apoio a Costa. “O país precisa de um governo liderado pelo PS e de um governo com uma larga maioria. Isso só será possível com uma nova liderança e uma nova estratégia mobilizadora”, disse o líder da distrital de Aveiro, Pedro Nuno Santos.

A antiga eurodeputada e próxima do ex-secretário-geral José Sócrates Edite Estrela também se colocou ao lado de Costa, evocando os resultados das europeias. "Se, por um lado, os portugueses apelaram ao Presidente para tirar conclusões do resultado, também manifestaram a esperança em alterações significativas no maior partido da oposição, de modo a que se construa uma alternativa em que possam confiar", disse ao PÚBLICO. O anúncio de António Costa, acrescentou, demonstrou “uma grande coragem política e um grande sentido de responsabilidade perante o país e perante o PS".

Um dos epicentros da revolta foi o Parlamento, não sendo de estranhar, por isso, que daí tenham surgido apoios à decisão do presidente da Câmara de Lisboa. “O PS precisa de mudar, chegou a hora”, escreveu o mediático João Galamba na rede social Facebook. A partir também de São Bento, José Lello assumiu o seu apoio. "António Costa vai trazer um debate intenso, de esperança, que vai trazer uma alternativa consistente e ganhadora."

As reacções parlamentares eram estilhaços da bomba que tinha deflagrado horas antes a partir de outra instituição política que também tem sede na Rua de São Bento. Afinal, o artigo de opinião de Mário Soares, no DN, fora particularmente violento para Seguro.  Classificou o resultado nas europeias como “uma vitória de Pirro” e citou António Costa quando este disse que à derrota da direita não tinha correspondido uma vitória histórica do PS. “Com efeito, assim foi”, alfinetou. Depois das inúmeras reuniões que foi promovendo com as diferentes facções do PS nos últimos meses, com o seu texto, o ex-Presidente da República dava a sua bênção ao avanço de António Costa.

De nada serviu, portanto, a tentativa de controlo de danos que a direcção ensaiou com a entrada em cena da actual presidente do partido. À mesma hora que o autarca de Lisboa se preparava para abrir as hostilidades, Maria de Belém dizia no Parlamento ser “muito pouco inteligente desvalorizar a vitória que o PS teve". “As vitórias são vitórias ou não são vitórias", insistiu.

Mas poucos minutos depois a mesma Maria de Belém estava ao lado de António Costa. Apareceu na Ribeira das Naus, ofegante, para cumprimentar o presidente da câmara após a homenagem a Maria José Nogueira Pinto. Não quis comentar a notícia do dia. “Vossas excelências estão mais adiantados do que eu”, reconheceu no relvado lisboeta.

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