Murça votou contra as eleições e a favor da manutenção do tribunal e das Finanças

Boicote, que estaria organizado há já 15 dias, serviu de protesto apoiado pela câmara. Habitantes não querem que a vila seja só lembrada durante as eleições nem que sirva "só para pagar" impostos para depois ficar sem serviços públicos.

Os cerca de 6.500 eleitores de Murça não foram hoje às urnas
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Os cerca de 6.500 eleitores de Murça não foram hoje às urnas Paulo Pimenta
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As urnas ficaram vazias este domingo no concelho de Murça, distrito de Vila Real. Os votos para a eleição dos deputados ao Parlamento Europeu deram lugar a votos de protesto de cerca de sete mil eleitores contra o encerramento, em breve, do tribunal e do hipotético fecho do serviço de Finanças.

Nenhuma das 85 pessoas destacadas para assegurar o acto compareceu e nenhuma das 17 mesas de voto das sete freguesias deste município transmontano abriu. Pela primeira vez em democracia, um concelho fez um boicote total numas eleições.

A situação surpreendeu a Comissão Nacional de Eleições (CNE), cujo porta-voz, João Almeida, admitiu não ter memória de umas eleições em que um concelho tenha ficado sem uma única mesa de voto. “Tivemos grandes boicotes, em sítios como a Trofa e Vizela [quando estas freguesias pretendiam passar a concelho, como acabou por acontecer]. Ter um concelho inteiro parado em dia de eleições é algo de que não me lembro”, disse.

Pelas 13h00, o entusiasmo de Ana Teixeira, que pela primeira vez iria votar, suspende-se. A jovem de 18 anos encontra na porta da escola primária de Murça um aviso alertando que a mesa foi encerrada por falta de condições para funcionar. “Era a minha primeira vez. Queria votar, mas compreendo as razões do boicote”, refere. Ao lado, também Isabel Richard e outros dois habitantes admitiam estar surpreendidos por encontrarem a porta fechada.

No café Carvalho – um estabelecimento central da vila –, não havia, porém, qualquer surpresa. Ali há muito que o boicote já era esperado. Entre um café e a leitura do jornal do dia, os habitantes comentavam em surdina que tudo fora organizado há dias. Lá fora, os habitantes gozavam um domingo habitual, passeando com a família ou andando de bicicleta.

“Isto já estava a ser preparado há 15 dias e com o apoio da câmara que até dinamizou”, disse ao PÚBLICO um militante do PS local. O presidente da Câmara de Murça, José Maria Costa (PS), contudo, recusou admitir, ao PÚBLICO, essa intervenção no boicote. O autarca fez questão de salientar que a autarquia tem a “responsabilidade de organizar o acto eleitoral”.

Foi o que fez. Os partidos não indicaram ninguém para integrar as mesas de voto e, por isso, a câmara teve de destacar 85 munícipes. Desses, 50 ainda avisaram que estariam indisponíveis. Mas o aviso, na sexta-feira, já chegou tarde.

“Murça não quer ser só lembrada nas eleições. O que se passa em Murça é terrível. É o exemplo do que se passa nos concelhos do interior. Já estavam atingidos pela desertificação e agora ainda ficam sem serviços públicos. O interior tem de tomar uma posição forte”, disse o autarca socialista que apoia o boicote “em defesa dos interesses dos munícipes”.

“Não estamos cá só para pagar impostos e ficar sem nada. Pagamos para nos deixarem sem tribunal, Finanças e centro de saúde, enquanto o dinheiro vai todo para Lisboa?”, questionava António Morais, naquele café, onde todos comentavam com orgulho o boicote.

“Já se viu na televisão Murça hoje”, atira, contente, Joaquim Gonçalves ao entrar no café, em resposta ao dono do estabelecimento. “Então já votou?”, questionara, gracejando, Alberto Pontes, atrás do balcão. Já no exterior, na praça onde se ergue a estátua da porca de Murça rodeada por árvores onde se penduram fotografias evocativas do 25 de Abril como frutos, Clara Lacerda garante, efusiva, apoiar o boicote. “Não iria votar mesmo que as mesas estivessem a funcionar”, diz em passo acelerado.

Ainda não há data para o novo acto eleitoral. O porta-voz da CNE explicou que, em casos como este, “e se os votos forem importantes para a definição dos resultados”, as eleições repetem-se “no mesmo dia da semana seguinte”.

Na freguesia de Jou, que tem cerca de 900 eleitores, o espaço em redor da Junta, onde iria funcionar a mesa de voto, estava deserto. Os poucos carros que passavam abrandavam só para confirmar que a porta estava fechada. “E agora quem vai ganhar estas eleições? Os que têm feito muito mal vão continuar no governo?", questionava Elígio Macedo antes de perceber que, afinal, as eleições eram europeias.

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