Militares forçam negociações políticas na Tailândia

Exército convocou as partes em conflito. Quer evitar um banho de sangue. Mas a saída da crise não será fácil.

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Manifestantes anti-governo mantêm cercada a sede do Governo Nicolas ASFOURI/AFP

Mostrando claramente quem manda, os militares proibiram os membros do Governo interino de entrarem no edifício que usam e que pertence ao Ministério da Defesa (a sede está cercada por manifestantes). Para o encontro foram convocados o primeiro-ministro, Niwattumrong Boonsongpaisan, o partido no poder (o Pheu Thai), o chefe da oposição, Abhisit Vejjajiva (do Partido Democrata), os dirigentes das manifestações e os líderes do Senado e da Comissão Eleitoral.

Os militares têm sido, ao longo de toda a história da Tailândia, actores políticos, como mostram 11 golpes de Estado e mais sete tentativas frustradas desde que a monarquia constitucional foi instaurada, em 1932 — o primeiro foi precisamente para acabar com a monarquia absoluta. A intervenção dos militares na política está inscrita na lei. Ao declarar a lei marcial, o chefe do Exército, o general Prayuth Chan-ocha, citou o artigo 1914 da Constituição que diz que os militares têm autoridade para o fazer se o país estiver em crise.

A última intervenção do Exército esteve na origem da actual crise. Em 2006, os militares derrubaram o primeiro-ministro Thaksin Shinawatra, acusado de corrupção, de abuso de poder e considerado pela elite monárquica uma ameaça à instituição e ao rei Bhumibol Adulyadej. O monarca tem 86 anos e está doente, e o seu herdeiro, Maha Vajiralongkorn, é considerado um príncipe politicamente instável — quando foi primeiro-ministro Thaksin Shinawatra tornou-se muito próximo do herdeiro.

Um telegrama enviado para Washington pelo embaixador americano Eric John, cujo conteúdo foi divulgado em 2010, revela conversas sobre o perfil do herdeiro mantidas com três altos funcionários tailandeses e altas patentes militares — o general Prem Tinsulanonda, antigo primeiro-ministro e do conselho privado do rei; Anand Panyarachun, ex-primeiro-ministro; e o marechal da Força Aérea Siddhi Savetsila. “Os três fizeram comentários muito negativos sobre o príncipe Vajiralongkorn. Apesar de assumirem que o príncipe será, um dia, o rei, quer Siddhi quer Anand consideraram que o país ficaria melhor se houvesse outra opção. Anand disse que só o rei está em posição de mudar a ordem da sucessão mas reconheceu que isso dificilmente acontecerá”.

Para evitar a prisão, Thaksin Shinawatra fugiu da Tailândia, mas manteve um canal de comunicação com o herdeiro, classificado pela imprensa tailandesa como um playboy e receado pelos analistas como uma figura fracturante que poderá não conseguir manter a unidade do país e, eventualmente, a monarquia.

Foi neste contexto de intriga política e palaciana que o general Prayuth Chan-ocha impôs a lei marcial e advertiu que usará “toda a força” que for necessária para restaurar a ordem e acabar com a violência nas ruas. Os confrontos entre manifestantes a favor do clã Shinawatra (os camisas vermelhas) e contra (os camisas amarelas, a cor da monarquia) já mataram 28 pessoas.

O general tenta, agora, forçar um entendimento entre os dois lados. Mas um acordo será difícil, com o campo Shinawatra a querer forçar novas e rápidas eleições e a oposição a rejeitá-las. Já a crise política durava há dois meses quando a então primeira-ministra, Yingluck Shinawatra (irmã de Thaksin), dissolveu o Parlamento e marcou legislativas. As eleições, que se realizaram em Fevereiro, voltaram a dar-lhe a vitória, mas em Maio o Tribunal Constitucional considerou provadas as acusações de abuso de poder e destituiu-a — por provar ficou a acusação de que seria o irmão quem governaria o país, a partir do exílio, e que Yingluck não passava de um primeiro-ministro fantoche.

A oposição exige a nomeação de um primeiro-ministro neutro. O partido que, oficialmente, ainda está no poder, exige eleições (que deverá ganhar, é a força política apoiada pela maioria da população rural) e há uma data sugerida, 3 de Agosto, com os camisas vermelhas a dizerem, na rua, que não vão tolerar mais um “golpe” contra um governo seu e a ameaçarem com a luta armada. 

O espectro de uma guerra civil paira na Tailândia. 

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