Guiné-Bissau vota para que a História não se repita

Mais de dois anos após o golpe de 2012, a segunda volta das presidenciais é a última etapa do regresso à legitimidade democrática. Há optimismo mas as preocupações não desapareceram. Os candidatos são José Mário Vaz e Nuno Nabiam.

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José Mário Vaz, do PAIGC, é o favorito SEYLLOU/AFP

A expectativa é de que, desta vez, a história seja outra. E essa seria a boa notícia para os guineenses, que hoje escolhem o seu Presidente da República, completando um processo eleitoral que deve restabelecer a legitimidade democrática interrompida há dois anos por um golpe militar, entre a primeira e a segunda volta das presidenciais.

A escolha dos mais de 750 mil eleitores é entre José Mário Vaz, candidato do PAIGC (Partido Africano da Independência da Guiné-Bissau), o mais votado na primeira volta, com 40,89%; e Nuno Gomes Nabiam, um estreante na política, independente apoiado pela principal força da oposição, o PRS (Partido da Renovação Social), favorito da hierarquia das Forças Armadas, que conseguiu 24,79%.

A elevada afluência de eleitores na primeira volta, que coincidiu com as eleições legislativas, a 13 de Abril, foi um claro sinal de desejo de democracia – a participação atingiu a taxa recorde de 89,29%. Mas a experiência de há dois anos mantém vivas as preocupações sobre a reacção do líder do golpe, o chefe das Forças Armadas, António Indjai, a uma provável vitória de José Mário Vaz, ministro do Governo de Carlos Gomes Júnior, derrubado há dois anos.

Para além do apoio do seu partido, que ganhou as legislativas e obteve uma maioria absoluta de deputados – 57 contra 41 do PRS –, José Mário Vaz tem agora consigo as três forças políticas que elegeram os restantes parlamentares: Partido da Convergência Democrática, dois mandatos; Partido da Nova Democracia, um; União para a Mudança, um.

Em Bissau, apesar de alguma apreensão, a expectativa é de que, desta vez, tudo corra bem. A visita, há pouco mais de uma semana, do embaixador norte-americano para o Senegal e Guiné-Bissau, Lewis Lukens, e o encontro que manteve com Indjai “deixou as pessoas mais aliviadas”, contou Luís Vaz Martins, presidente da Liga Guineense dos Direitos Humanos. “O cenário é diferente porque a comunidade internacional parece muito mais engajada, há menos margem para uma repetição do que aconteceu em 2012”, disse.

Os candidatos também transmitiram mensagens de normalização. Antes do início da campanha para a segunda volta, tanto José Mário Vaz, 57 anos, como Nuno Nabiam, 51, se comprometerem a respeitar a vontade dos eleitores. “Aceitarei os resultados mesmo que favoreçam o meu adversário. Serei o primeiro a felicitá-lo”, disse o candidato do PAIGC. “Vou aceitar os resultados que saírem das urnas”, prometeu o seu adversário.

O isolamento a que a Guiné foi votada nos últimos dois anos, as dificuldades financeiras, as pressões externas e o empenho internacional na normalização democrática – que se traduziu em muitas reuniões com as chefes políticos e militares e eventuais compromissos obtidos nos bastidores – parecem poder concorrer para um desfecho diferente. “Quero tranquilizar a todos – os irmãos militares vão respeitar o resultado eleitoral”, escreveu há dias no PÚBLICO Ramos-Horta, representante especial do secretário-geral das Nações Unidas para a Guiné-Bissau.

"Cenário optimista"
A pressão não se fez apenas com palavras. A CEDEAO (Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental), que apadrinhou a solução governativa pós-golpe, reforçou nos últimos dias a presença militar que tem no país desde 2012, quando substituiu um contingente angolano. A União Africana advertiu que tomará posição se estiver em risco a estabilidade.

“Tudo se conjuga para que não exista um retrocesso, há razões para um cenário optimista”, considera Fernando Jorge Cardoso, investigador do Instituto Marquês de Valle Flôr. “As condições externas e os resultados eleitorais apontam para um caminho de estabilização.”

O optimismo deste especialista em assuntos africanos é explicado em parte pela importância que tem para a CEDEAO o êxito do processo eleitoral, que seria visto como demonstração da sua “capacidade de intervenção regional”.

Conjugada com esse dado, a chegada ao poder de dirigentes ligados à lusofonia – o novo líder do PAIGC e próximo primeiro-ministro é Domingos Soares Pereira, ex-secretário executivo da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) – levam Fernando Jorge Cardoso a admitir que o país “esteja a viver a melhor situação possível do ponto de vista da normalização da vida política”. A sua expectativa é já saber “o que vai ou não conseguir fazer” o PAIGC com “estes dois novos aliados”.

O poder eleito terá de conviver com umas Forças Armadas que têm sido instrumento de interesses políticos particulares e infiltrações do narcotráfico internacional – Indjai é um dos indiciados pelos EUA por tráfico de droga. Mas os desafios que se lhe colocam não se esgotam na estabilização, necessária para dar esperança a um país em que metade dos 1,6 milhões de habitantes vive com menos de 1,25 dólares por dia.

Ainda assim, se a espiral de violência político-militar em que a Guiné-Bissau está mergulhado desde o fim da década de 1990 for finalmente interrompida esse já será um passo em frente. Mamadù Baldé, vendedor de peixe em Bissau, não deseja outra coisa”, como disse à AFP: “O que esperamos do novo Presidente é que seja capaz de garantir a paz e a estabilidade. Precisamos disso”.

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