Aquele maldito guião de Bela Guttmann
Os milhares no Parque Eduardo VII, em Lisboa, começaram a tarde confiantes e festivos. O que poderia falhar? À medida que a bola teimava em não entrar, porém, começaram a sussurrar o que ninguém queria enfrentar: “Perder duas finais seguidas...” Ninguém acreditava na maldição de Bela Guttmann, mas eis que ela teima em não largar o Benfica.
99 minutos de jogo. Óscar Cardozo entra em campo em Turim. A muitos quilómetros de distância, aumenta o ritmo da roda de capoeira que, a partir do prolongamento, irrompeu entre a multidão de dezenas de milhar no Parque Eduardo VII, aos pés do Marquês de Pombal, em Lisboa. A nação benfiquista canta em uníssono: “É o Óscar Tacuara Cardozo”. Entra para marcar um livre que o Benfica acabara de ganhar. Ele, Cardozo, o do pontapé canhão. Os batuques batucam mais furiosamente, as gentes incentivam igualmente. Dramaturgia perfeita: o homem chegaria, aclamado pelos seus, para acabar com aquele sofrimento. Era só rematar como tantas vezes rematou. “Mas não é o Lima que vai chutar?”, pergunta alguém.
Dois segundos depois, a dúvida era insignificante. Cardozo (ou seria Lima?) rematou como se impunha mas Beto, o guarda-redes português do Sevilha, defendeu como não se esperava. Sim, seria um momento dramaticamente perfeito. Mas se o futebol é o desporto do povo, é-o por duas razões: por ser o mais democrático, e por recusar teimosamente seguir um guião pré-definido.
Meia-hora depois, enquanto a lua brilhava no céu de Lisboa e o Marquês de Pombal continuava, arrogante, de costas voltadas para os benfiquistas, completamente esquecido da camisola vermelha que vestiu há poucas semanas, aqueles que viveram durante mais de duas horas entre a crença arrancada do fundo da alma e a dúvida angustiante (será que vai acontecer outra vez?) viam Cardozo falhar o primeiro dos dois penálties que confirmaram o que nenhum benfiquista queria viver (aconteceu mesmo outra vez).
Às 19h, o ambiente era de festa, misto de bancada de estádio e piquenique de Verão. Palco montado, ecrã gigante preparado e a malta a cantar as “papoilas saltitantes” e o campeão que voltou enquanto se ajeitavam no chão as mantas e as arcas com bebida fresca. Camisolas encarnadas por todo o lado, sorrisos abertos. Que poderia falhar?