Uma ópera para Elisabete Matos

A soprano galvanizou o público no último acto

Foto
A soprano Elisabete Matos Pedro Elias

La Gioconda , de Ponchielli (versão de concerto) Elisabete Matos, Mario Malagnini, Maria Luísa de Freitas, Luís Cansino e outros (cantores), Coro do TNSC, Orquestra Sinfónica Portuguesa, Antonio Pirolli (direcção) Lisboa, Teatro Nacional de São Carlos 13 de Maio, às 20h 3,5 estrelas

Face aos constrangimentos orçamentais, o actual consultor artístico do Teatro Nacional de São Carlos, Paolo Pinamonti, resolveu apostar no incremento da qualidade dos elencos desta última etapa da temporada, abdicando das encenações. É uma opção possível mas, como já escrevi anteriormente, não deixa de ser paradoxal que o nosso único teatro lírico apresente três produções seguidas (Poliuto, de Donizetti; La Gioconda, de Ponchielli; e a Norma, de Bellini) apenas em versão de concerto. A questão torna-se ainda mais problemática quando a escolha recai sobre uma obra como La Gioconda, mesmo tendo em conta o sucesso obtido por Elisabete Matos no exigente papel titular e a forma como a soprano galvanizou o público no último acto, com uma impressionante interpretação da famosa ária Suicidio! e das cenas subsequentes.

Sucede que La Gioconda constitui uma transposição para o universo lírico italiano da grand opéra francesa, ou seja, de um tipo de espectáculo que assenta na sumptuosidade dos efeitos cénicos, neste caso contando com o imenso potencial cenográfico de Veneza no século XVII, com as múltiplas tipologias de personagens que formam o coro (monges, senadores, marinheiros, damas e fidalgos, comediantes, militares, etc.) e cenas coreográficas como a Furlana e a famosa Dança das Horas, tocada com esmero pela Sinfónica Portuguesa.

Ponchielli é um compositor competente dotado de um sentido teatral eficaz, mas a sua obra tem alguma dificuldade em resistir apenas como edifício musical. Como tal, ou o público conhece muito bem o enredo e as suas simbologias e vai imaginando as restantes componentes ou recebe apenas uma visão parcial do todo, contentando-se com um modelo antiquado de recepção da ópera, assente no culto da vocalidade e das estrelas do canto por si só.

Apesar desta limitação, seria injusto não realçar as virtudes do que se ouviu na terça-feira no São Carlos. Com libreto de Arrigo Boito, La Gioconda gira em torno de uma série de paixões desencontradas, da traição, da perfídia e do sacrifício por amor. O papel principal parece talhado para o temperamento e para a voz de Elisabete Matos nesta fase da sua carreira e, apesar de já o ter feito em versões cénicas, esta foi decerto uma excelente oportunidade para o amadurecer. A cantora não só mostrou a variedade de registos vocais que o papel solicita, incluindo os mais extremos, como as nuances necessárias aos seus exacerbados estados emocionais.

Outras personagens de peso como Barnaba (Luis Cansino) e Enzo (Mario Malagnini), que cantou com autoridade a bela romanza Cielo e mar, tiveram desempenhos de grande nível. Merece ainda destaque La Cieca de Maria Luísa de Freitas. A meio-soprano Mariana Pentcheva foi uma convincente Laura Adorno, mas o baixo Luiz-Ottavio Faria (Alvise Badoeiro) pecou pelo vibrato excessivo e por um timbre pouco atractivo. A qualidade geral do elenco foi extensiva aos papéis mais pequenos (João Oliveira, Manuel Rebelo e Marcos Alves dos Santos) e o Coro do Teatro de São Carlos acabou por atingir o equilíbrio e um boa prestação depois das intervenções agrestes e com excessivo volume sonoro do 1º acto.

Sob a direcção de Antonio Pirolli, a Sinfónica Portuguesa mostrou o seu melhor no último acto, conseguindo uma apreciável sintonia expressiva com os cantores, em especial com Elisabete Matos, interrompida várias vezes pelas efusivas palmas e bravos do público, antes de poder consumar o longo processo de suicídio da sua personagem.

Sugerir correcção
Comentar