MOOC: os cursos gratuitos online que democratizam o ensino

Cada um gere o próprio tempo, sem a pressão nem a formalidade de uma aula tradicional. Os Massive Online Open Courses são vistos como uma "revolução" no ensino — e gratuitos. Universidades portuguesas também já se voltaram para os MOOC

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Robert Galbraith/Reuters Robert Galbraith/Reuters

As aulas são gratuitas, a matéria é dividida em módulos e a avaliação é feita através de tarefas e testes de escolha múltipla. Vídeos de palestras e textos recomendados são os materiais predominantes e os formadores estão, por norma, ligados a instituições de ensino superior. Aqui, tudo é assíncrono: os MOOC (Massive Online Open Courses) podem ser frequentados quando o aluno quiser, sem hora ou local marcado, e todas as ferramentas de estudo se mantêm disponíveis durante o período lectivo — que, normalmente, se mede em algumas semanas. Tudo na Internet. Autonomia é palavra-chave. Se nos inscrevermos num MOOC, podemos desistir quando quisermos e o máximo que nos acontece (além do peso na consciência) é receber alguns e-mails dos formadores, com palavras de incentivo a apelarem à participação. No fim, se completarmos todas as tarefas e requisitos, temos direito a um diploma — este sim, muitas vezes pago.

O primeiro MOOC foi criado em 2008, por George Siemens e Stephen Downes, na Universidade de Manitoba, no Canadá. O curso “Connectivism and Connective Knowledge/2008" (CCK8) foi o primeiro a contar com esta designação e nele inscreveram-se cerca de 2 200 pessoas. O conceito foi evoluindo, sobretudo no Canadá e nos Estados Unidos, e em 2012 foi tema de discussão e análise nos média destes países, quando dois professores da prestigiada Universidade de Stanford — Sebastian Thrun e Peter Norvig — criaram a plataforma Udacity. Foram apelidados de revolucionários: afinal, um professor de Stanford, por exemplo, podia ensinar milhares de alunos por semestre, em vez de apenas algumas centenas, como destacou Thomas L. Friedman, num artigo publicado em 2012 no “The New York Times”, intitulado “Come the Revolution”.

“Os MOOC configuram uma mudança de poder e uma reorganização das relações de aprendizagem”, explicou George Siemens ao “Diário de Notícias”, num artigo de Janeiro de 2014. Tirar partido das potencialidades da Internet foi uma das razões que levou Siemens a idealizar cursos em que o conhecimento é criado a partir da contribuição de todos os participantes. “Não gostávamos do modelo universitário em que o professor diz aos alunos o que é importante saber. Quisemos envolver os estudantes e trazê-los para este diálogo”, sublinhou.

Democratização do conhecimento

Apesar de, em Portugal, as instituições de ensino superior só recentemente se terem voltado para os MOOC, os portugueses há muito que já participam nestes cursos, maioritariamente leccionados em inglês, e onde interagem com pessoas de todo o mundo. O “networking” é, precisamente, uma das característica dos MOOC que mais agrada a Joana Palminha, jornalista freelancer e guionista, a par do acesso livre a material e literatura — mesmo que não o conclua. É uma forma de democratização do conhecimento: “Se existe a hipótese de aprender qualquer coisa de forma gratuita, só não aproveita quem não quer.”

Com 28 anos, Joana confessa já ter começado formações que deixou a meio — a falta de tempo é a principal culpada, diz, mas faz o “download” de todo o material disponível, para ler mais tarde. O facto de poder estar a assistir a palestras ou a completar tarefas às duas da manhã é uma grande vantagem: “Com os tablets, estuda-se em qualquer lado”. Joana procura cursos que complementem o tipo de trabalho que desenvolve, razão pela qual aposta na área da cultura e das humanidades, diz.

Ao contrário do que é incentivado, não é muito interventiva nos fóruns de discussão. Esta é outra das particularidades dos cursos, cujos processos de avaliação chegam a passar pela interacção entre formandos. Já Daniel Fernandes, engenheiro civil, gosta de o fazer: “Há um espírito muito aberto, de colaboração e entreajuda entre os milhares de utilizadores.” No Coursera, onde completou um MOOC sobre mercados financeiros, o jovem de 25 anos encontrou muitos portugueses, que aproveitaram as aulas gratuitas de professores de renome da Universidade de Yale. A Universidade de Harvard e o Massachusetts Institute of Technology (MIT) também criaram uma plataforma online dedicada a este formato, a edX.

Para se comprometer a terminar, Daniel, que vive e trabalha entre Lisboa e Angola, optou por pagar o diploma, o único elemento da formação com custos. Por 50 dólares” (cerca de 36 euros) teve um certificado de frequência e aprovação de uma universidade reconhecida internacionalmente. “Achei o valor simbólico, sobretudo se comparar com os conhecimentos que adquiri.” Também Bruno Ponte optou por adquirir o certificado de conclusão de um MOOC do Knight Center for Journalism in the Americas, da Universidade do Texas, que realizou no início de 2014, por 30 dólares (21 euros).

Mas esse não foi o primeiro que tentou frequentar. “É tudo tão ao alcance das pessoas, podes entrar no curso, tirar dúvidas, sair, voltar. Depois não crias um hábito de estudo e de trabalho. É muito fácil entrar e abandonar”, conta o açoriano de 28 anos, que trabalha num gabinete de imprensa oficial do governo dos Açores e quis aprender mais sobre redes sociais para jornalistas. “A maneira como o curso é dado e apresentado não é motivante: não há contacto pessoal com ninguém”, ressalva, apenas material para ler. “Para questões de enriquecimento do currículo, também não sei até que ponto é uma mais-valia.”

Falta divulgação dos MOOC portugueses 

O Instituto Politécnico de Leiria (IPL), através da Unidade de Ensino à Distância, criou há alguns meses a plataforma UP2U. Inicialmente, explica o responsável Nelson Jorge ao P3, a ideia era abrir cursos direccionados para a comunidade académica do instituto, mas o elevado número de inscrições na plataforma (duas mil em poucas semanas) fez com que alargassem o público-alvo. Aproveitando “alguns recursos humanos” do IPL, os MOOC oferecidos pela UP2U centram-se, sobretudo, no meio académico, com especial atenção na preparação para os exames nacionais.

Só no primeiro curso da UP2U, que começou em Março último, sobre construção e partilha de mapas mentais, houve perto de 800 inscritos, de 13 países diferentes. Destes, 52% receberam um certificado de participação gratuito. Este é um dos problemas muitas vezes associado aos MOOC: o facto de muitos dos inscritos nunca chegarem a completar todas as tarefas, tal como os três jovens com quem o P3 falou admitiram fazer.

Também a Universidade de Coimbra (UC) começou 2014 com uma incursão pelos MOOC, igualmente através do portal de ensino à distância. As 500 vagas disponíveis para a formação “Escrita Criativa — a outra tradição” foram preenchidas em apenas seis dias, no que a UC apelidou de “excelente adesão”, logo no primeiro curso. “Ganhar experiência neste formato” de ensino foi uma das razões que levaram a UC a lançar o MOOC, ainda que não tenha estado prevista a interacção da docente com os formandos durante o curso.

Falta divulgação dos MOOC dados pelas instituições portuguesas, diz Joana Palminha, para quem se devia apostar em cursos “sobre a nossa realidade”. A jornalista deixa algumas ideias: “fazia sentido haver um sobre o sistema fiscal português, por exemplo, ou sobre a história de Portugal”. “Há público suficiente para isso. Se eu fiz um curso sobre os Beatles, podia haver um sobre música portuguesa.”

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