Medicamentos estão muito mais baratos, mas quota de genéricos ainda tem que aumentar

Desde 2010, as medidas na área dos medicamentos permitiram ao Estado poupar 600 milhões de euros e aos cidadãos 250 milhões, diz o Ministério da Saúde

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Com a baixa do preço dos medicamentos, começou a haver problemas de rupturas de stocks Miguel Silva/Arquivo

Para atestar o “iminente colapso das farmácias”, um farmacêutico de Guimarães decidiu enviar para o primeiro-ministro e para os membros da troika a prova de que um medicamento para o colesterol podia custar menos do que uma trivial pastilha elástica.

Estava-se no final de 2012 e, numa carta acompanhada de uma embalagem com 60 comprimidos de um genérico de sinvastatina e de uma caixa de pastilhas elásticas, o farmacêutico fazia contas básicas: “A embalagem de pastilhas elásticas que tem na sua mão custou 68 cêntimos, o que se traduz num preço de venda ao público de 6,8 cêntimos por pastilha. A embalagem do popular medicamento para o colesterol custa 2,54, o que se traduz num preço de 4,2 cêntimos por comprimido”.

Não se sabe se os membros da troika leram a irónica missiva, mas o certo é que o sector do medicamento foi desde o início o alvo preferencial da estratégia da redução de despesa na saúde. Além das sucessivas diminuições de preços, estabeleceu-se um novo tecto máximo para o primeiro genérico de cada grupo homogéneo a entrar no mercado e reduziram-se as barreiras à entrada de novos genéricos. A prescrição por denominação comum internacional, em vez da marca, foi outra das medidas que impulsionou o consumo de genéricos e ajudou a diminuir a despesa com comparticipações. A meta traçada para 2013 foi atingida (a quota de genéricos chegou a 45%), mas agora o objectivo é chegar aos 60%, já este ano.

O combate à fraude no sector é outro dos trunfos que Paulo Macedo pode exibir: 229 casos suspeitos, que representam 225 milhões de euros de fraude potencial em investigação, foram detectados e encaminhados para as autoridades competentes.

Graças a toda esta panóplia de medidas, desde 2010 o Estado poupou 600 milhões de euros na comparticipação de medicamentos. E os cidadãos, assegura o Ministério da Saúde,  gastaram menos 250 milhões de euros. Mesmo assim, a poupança não atingiu ainda o objectivo definido, até porque as metas traçadas pela troika eram muito ambiciosas: para 2012 estava previsto que a despesa total com medicamentos se ficasse por 1,25% do PIB e em 2013 não poderia suplantar 1%. 

A impressionante redução da despesa com medicamentos acabou por ter, porém, efeitos secundários. Além da crise que a Associação Nacional das Farmácias (ANF) garante que o sector está a atravessar, com  mais de metade dos estabelecimentos a debater-se com dívidas a fornecedores e cerca de quatro centenas em risco de penhora e de insolvência, para o cidadão comum o principal problema passou a ser o de conseguir aviar à primeira tentativa todos os remédios receitados pelos médicos.

As notícias de que faltavam medicamentos nas farmácias começaram a multiplicar-se. As rupturas acontecem porque algumas farmácias se viram obrigadas a reduzir os seus stocks ao mínimo e porque aumentou a exportação paralela - passou a compensar, e muito, vender para o estrangeiro, onde os medicamentos são mais caros. A Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed) tomou medidas e até criou um espaço na sua página na Internet para denúncias de faltas de fármacos mas garante que o fenómeno está hoje reduzido a uma expressão mínima..

Outro problema: nos hospitais, onde o peso da inovação terapêutica se faz sentir, depois de anos de crescimento imparável, a despesa com medicamentos diminuiu em 2013, mas as dívidas continuam a acumular-se.  Depois de no ano passado ter chegado a um acordo com a indústria farmacêutica (em que esta se comprometeu a devolver a verba que ultrapassasse o tecto fixado), o Governo já se comprometeu este ano a transferir mais 300 milhões de euros e refere que, se mais dívidas emergirem entretanto, serão compensadas através de novas transferências. 

A prioridade do ministro Paulo Macedo era assegurar que o SNS deixaria de estar refém dos credores e sujeito a ameças de cortes no fornecimento, como sucedeu no passado. Por isso apostou em programas de regularização das dívidas (mais de 1,9  mil milhões de euros), que permitiram que o valor dos pagamentos em atraso (a mais de 90 dias) a vários fornecedores baixassem para 621 milhões de euros e o da dívida total para metade da que encontrara,  1,6 mil milhões de euros.

Os últimos dados da Direcção Geral do Orçamento indicam, de facto, que a situação melhorou substancialmente: as facturas vencidas (a mais de 90 dias) ascendiam a 656 milhões de euros no início deste ano contra os 2055 milhões em 2011. Resta saber qual será o ritmo de entrada de dívida por saldar (no ano passado foi superior a 30 milhões de euros por mês).

Os números mais recentes da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica relativos a Março indicam que as dívidas dos hospitais públicos voltaram a ultrapassar o patamar dos mil milhões de euros (1004 mil milhões). As dívidas continuam a crescer porque persiste o problema da suborçamentação dos hospitais e a única forma de não cortar nos cuidados de saúde é ir deixando facturas por pagar, explicam os especialistas. A Comissão Europeia  reconheceu, aliás, que há um problema de subfinanciamento na base deste fenómeno.

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