Governo só assume 11% dos prejuízos causados pelos grandes incêndios do ano passado

INE estima danos de 34,2 milhões de euros em cinco incêndios que afectaram 11 municípios. Três destes não receberam qualquer apoio.

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A serra do Caramulo, depois ser devastada por um grande incêndio, está finalmente calma Nelson Garrido

O Governo vai assumir apenas 11% dos prejuízos materiais causados pelos grandes incêndios do ano passado, o que significa uma fatia de perto de 3,9 milhões de euros num total de danos estimado em 34,2 milhões de euros. Dos cinco incêndios cujo impacto o Executivo mandou o Instituto Nacional de Estatística avaliar, só dois, o de Picões — que afectou quatro concelhos do distrito de Bragança — e o do Caramulo — que percorreu três concelhos do distrito de Viseu e um do distrito de Aveiro — foram considerados de excepcional gravidade, o que permitiu a oito autarquias aceder a fundos públicos.

De fora ficaram os incêndios de Trancoso, da Covilhã e do Alvão (Mondim de Basto), todos em Agosto do ano passado, que apesar de totalizarem um prejuízo superior a 10 milhões de euros não conseguiram a equiparação a calamidade pública e consequentemente o acesso a apoios da Administração Central.

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O incêndio de Picões foi o que registou a maior área ardida em 2013, mas foi o do Caramulo que causou mais danos num total de 13,9 milhões de euros. A maioria dos danos, 10,7 milhões, decorreu da destruição da floresta e do seu potencial, a rúbrica que causou mais prejuízos no global dos cinco incêndios: 21,7 milhões dos 34,2 milhões de euros. No total, 982 explorações agrícolas foram afectadas e 1924 hectares de área agrícola destruídos. Em termos de edificado, foram afectados 197 edifícios, havendo ainda a reportar cinco pessoas desalojadas. Trancoso foi o município que registou mais edifícios afectados (73) e danos de 1,2 milhões de euros, 81,6% dos danos reportados no edificado para a totalidade dos incêndios.

O secretário de Estado da Administração Local, António Leitão Amaro, garantiu ao PÚBLICO que os municípios onde se verificou uma excepcional gravidade tiveram acesso a apoios de “forma rapidíssima”. Quanto aos fogos de Trancoso, da Covilhã e do Alvão desvaloriza o seu impacto do “ponto de vista nacional”, apesar de reconhecer que isoladamente apresentam prejuízos muito superiores aos reportados por municípios afectados pelos incêndios de Picões e do Caramulo.

O concelho de Oliveira de Frades, por exemplo, registou um dano avaliado em 482 mil euros e o de Torre de Moncorvo de 711 mil euros, tendo tido acesso ao Fundo de Emergência Municipal e aos fundos do Proder para a estabilização urgente de solos e para a reflorestação. Sem acesso aos mesmos fundos ficaram a autarquia de Mondim de Basto, que reportou um dano de 3,8 milhões de euros, ou a de Trancoso que estimou prejuízos de perto de 3,7 milhões de euros. “É preciso perceber que estes danos decorrem da soma de incêndios ocorridos em momentos separados, o que tem outro tratamento legal. À escala nacional estes casos não tinham tanta gravidade como os outros”, alega António Leitão Amaro. E acrescenta: “Os autarcas têm que perceber que estes apoios são extraordinários e só acessíveis em casos de gravidade excepcional. O meio normal de ressarcimento de danos são os seguros”.

O presidente da União de Freguesias de Peso e Vales do Rio, Rui Amaro, discorda da opinião do secretário de Estado da Administração Local e garante que o fogo de 15 de Agosto “queimou praticamente toda a área verde das freguesias de Coutada, Peso e Vales do Rio”, no concelho da Covilhã. Recorda que o incêndio atingiu algumas habitações, uma das quais ainda obrigada os residentes a viver junto de familiares, e inúmeros anexos agrícolas. “A pequena agricultura de subsistência que havia perdeu-se e muitos ainda estão à espera de apoios para reconstruir alguns anexos”, conta Rui Amaro.

O autarca garante que foi feito um levantamento exaustivo dos danos e que o mesmo foi comunicado ao Governo. António Leitão Amaro confirma a recepção de um levantamento “parte do qual, muito genérico” e diz que ficaram por demonstrar os danos. “Chegamos ao ponto de contar oliveira a oliveira e videira a videira. O que queriam mais?”, interroga Rui Amaro. O responsável pela comunicação na Câmara da Covilhã, Eduardo Alves, diz que foi prometido muita coisa. “Mas até agora não chegou nada”, constata, adiantando que a autarquia tem tentado, sem sucesso, marcar reuniões com elementos do Governo.

O secretário de Estado da Administração Local garante que não há pedidos de audiência pendentes e recusa ter feito promessas aos autarcas que dirigiam no Verão passado aqueles municípios. “Falei com alguns dos então presidentes da câmara, mas não lhes prometi nada”, realça.


Em Tondela, o município mais afectado pelos fogos do ano passado, com quase 12 milhões de euros de prejuízos estimados, não houve ontem nenhum responsável disponível para falar com o PÚBLICO. Mas o presidente da Junta de Freguesia de Santiago de Besteiros, Armando Laranjeira, confirma que a câmara fez algumas candidaturas a fundos da Administração Central e que há reparações já feitas. “A tubagem que permitia abastecer o tanque do Monte de São Marcos, que serve para abastecer helicópteros e carros de bombeiros nos incêndios, derreteu toda, mas a água já voltou a correr há cerca de um mês”, exemplifica Armando Laranjeira.

O autarca explica que uma parte dos baldios gerida pela junta já foi limpa e que outra aguarda que a madeira seja retirada do local. “Com o apoio da população já começamos a reflorestar”, congratula-se, precisando que em Março foram plantadas à volta de 4000 árvores, entre carvalhos, medronheiros, morangueiros e cedros. Outros projectos, alguns financiados, Menos optimista está Rui Amaro que garante que já se informou e não existem fundos disponíveis para a reflorestação no distrito de Castelo Branco. “Resta-nos esperar pelo novo quadro de fundos comunitários”, desabafa. E em tom de lamento, remata: “Esta já foi a maior zona verde do distrito”. com Natália Faria

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