Um autor austero para uma era de austeridade que nos faz rir

Ricardo Neves-Neves encena três peças de Martin Crimp. Menos Emergências está em cena em Lisboa até 18 de Maio.

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"Menos Emerêngias", de Martim Crimp, encenado por Ricardo Neves-Neves ALIPIO PADILHA

Em 2012, e apesar de ser representado em vários países da Europa, o teatro de Martin Crimp era, para os britânicos, um mistério, diz o jornal inglês Arts Desk. E, no entanto, já tinham passado 30 anos desde a sua peça de estreia Love Games e várias estreias em vários teatros pela Europa fora. Em Portugal, por exemplo, a companhia Assédio apresentou várias peças a partir de 1999, convertidas por Paulo Eduardo Carvalho, que revelavam, na sagacidade e inteligência das traduções, o desejo primordial de Crimp: “A tarefa de captar o verdadeiro modo de falar das pessoas”.

Este homem de rosto ossudo e de um cabelo grisalho que o transformavam numa espécie de figura das suas próprias ficções parecia, afinal, resistir à gargalhada fácil. Os seus textos elípticos, indirectos e a exigirem concentração são, dizia o Arts Desk com graça, “um trabalho austero para uma era de austeridade”. E, no entanto, Martin Crimp gosta de rir. E de cantar. E as suas peças, generosas como são no seu desejo de olhar para os homens e para as mulheres como agentes activos dos seus própris erros, divertem-se a caricaturar as consequências desses mesmos erros.

Menos Emergências (2005, estreada no mesmo ano pela Assédio) é uma criação do Teatro do Eléctrico encenada por Ricardo Neves-Neves que até 18 de Maio se apresenta no Teatro Meridional em Lisboa. É uma experiência diferente para um encenador acostumado aos seus próprios textos mas muito interessado na musicalidade de um autor “frio, analítico, dramatúrgica e estruturalmente engenhoso” e que chama ao palco 10 actores, um coro e uma orquestra para três peças aparentemente independentes.

Mas é nos detalhes, nas aproximações, naquilo que nos parece coincidente que se esconde o olhar de Crimp. Explica Ricardo Neves-Neves que a primeira peça, Céu Completamente Azul, “é etérea, indefinida e geradora de equívocos, onde as personagens funcionam como um género de espectros omnipresentes na acção narrada”. Três personagens sem nome, duas mulheres e um homem, a falar, num sofá, sobre outro homem e outras mulheres.

Na segunda peça, Virados para a Parede, “as repetições do texto, a formação de pequenos e curtos coros ditos pelos elementos mais jovens do elenco marcam uma antagonia em relação aos conteúdos mais obscuros e pesados da peça”. Terminará em violência, eventualmente mais física do que na peça anterior, mas nem por isso mais violenta do que a pressão a que as personagens anteriores eram sujeitas (ou se sujeitavam, não sabemos).

Por fim, na peça que dá título ao espectáculo, Menos Emergências, “há uma euforia, leveza e ingenuidade nas personagens, que povoam uma peça marcada quer pelo humor quer pelo trágico, roçando o absurdo, fugindo ao razoável e abrindo as portas ao politicamente incorrecto”.

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