Muitas senhoras e um tigre

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Miguel Manso

O esqueleto musical de Rita Redshoes compõe-se de mulheres como PJ Harvey, Maria Callas, Nina Simone ou Patti Smith. Nos últimos anos, no entanto, uma outra peça infiltrou-se neste Gineceu das canções – Legendary Tiger Man

“Aquilo que me arrepia e me faz encontrar-me e desencontrar-me são vozes de mulheres”, diz Rita Redshoes. Não é de agora. É de sempre. Desde os tempos dos Atomic Bees, em que se passeava pelos palcos ainda adolescente de varinha de condão na mão, que o seu universo é marcadamente feminino. Mas seria largamente aprofundado quando começou a esboçar um projecto a solo, deixando-se de fadas, mas encontrando no fugaz Photographs as primeiras linhas mestras daquilo que viria a ser Rita Redshoes. Primeiro, no entanto, teve quase de fazer as pazes com a música em público, depois de a experiência com os Atomic Bees a ter deixado com uma pele muito fina e vulnerável àquilo que foi um processo extremamente rápido das pequenas salas de concertos para a gravação do disco de estreia love.noise.and.kisses(2000) e as consequentes cedências do romantismo para a frieza da indústria e a eventual crueldade do julgamento alheio.

Depois de ter andado na estrada com David Fonseca, Rita fixou o nome em Redshoes inspirada em doses iguais pelo Feiticeiro de Oz e por David Bowie, e lançou em 2008 Golden Era, onde começava a desfilar com segurança a sua galeria de inspirações em figuras tão díspares quanto PJ Harvey, Nina Simone, Laurie Anderson ou Maria Callas. “O meu esqueleto é feito dessas senhoras todas, sem dúvida”, reconhece. “Apesar de adorar muitos homens que fazem música, as minhas bases assentam em música feita por mulheres. Não sei bem o que é, mas há uma afinidade qualquer”. Daí que em 2012, dois anos depois de lançar Lights & Darks, tenha animado esse esqueleto em palco, perceber até que ponto a sua música vivia daquelas mulheres, e apresentou no Teatro S. Luiz, Lisboa, e depois no país inteiro, o espectáculo The Other Women. Quase tão importante quanto ter dado voz às suas heroínas pessoais – PJ Harvey, Loretta Lynn, Lhasa de Sela, Joan Jett, Nina Simone, Dolly Parton, Joni Mitchell, Amélia Muge, Patti Smith, Vashti Bunyan, Édith Piaf ou Sheryl Crow, mulheres autoras, letristas e não somente intérpretes – foi o facto de ter decidido fazê-lo em trio, ensaiando uma crueza de meios que quis levar para o novo Life Is a Second of Love. “Tocar só com mais dois músicos obrigou-me a fazer essa gestão e a ter ‘tomates’ para cantar aquelas canções incríveis. Consegui despir a instrumentação e busquei esse peso na voz, nas palavras. Acho que foi um pré-estágio para assumir as canções deste disco”.

Outra experiência importante no intervalo entre os dois álbuns seria a partilha das bandas sonoras de Estrada de Palha (Rodrigo Areias, 2012) e O Facínora (Paulo Abreu, 2012) com Legendary Tiger Man. Para alguém como Rita Redshoes, a trabalhar sempre em torno do formato de canção, a imersão na música para cinema levou-a a repensar a forma como constrói as composições para a sua voz, desformatando as suas ferramentas mais rotinadas e obrigando-se a desinstalar algumas das regras que tinha como obrigatórias para dar vida a uma canção. Esse espaço aberto acabaria por se infiltrar igualmente numa escrita de canções que a eleva para um outro plano.

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