Morreu Cornelius Gurlitt, o homem que tinha em casa 1400 obras de arte moderna

O coleccionador alemão que mantinha uma espécie de museu de arte morderna escondido num andar de Munique, morreu um mês depois de ter chegado a acordo com as autoridades para ajudar a identificar e devolver as telas roubadas durante o nazismo

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Cornelius Gurlitt herdou a colecção do seu pai, um negociante de arte que ajudou o regime nazi Reuters

Cornelius Gurlitt, o homem que escondeu durante décadas, num modesto apartamento, cerca de 1400 obras de mestres da pintura moderna, morreu esta terça-feira em Munique, aos 81 anos, anunciou o seu porta-voz, Stephan Holzinger.

Filho de Hildebrand Gurlitt, um dos negociantes de arte a quem o regime nazi recorreu para vender no estrangeiro a arte confiscada, Cornelius terá herdado o essencial da sua colecção do pai, que após a guerra conseguiu convencer os interrogadores de que as obras tinham sido destruídas em 1945, nos bombardeamentos de Dresden.

Já em Fevereiro deste ano, as autoridades austríacas descobriram mais 60 obras que Gurlitt ocultara numa segunda casa que possuía em Salzburg. A hipótese de que o apartamento de Munique não fosse o seu esconderijo tinha já sido aventada quando se descobriu que o coleccionador vendera secretamente uma tela de Max Beckman quando o espólio descoberto no andar de Munique já fora confiscado pelas autoridades alemãs e provisoriamente guardado num depósito alfandegário.

Levando uma vida muito isolada – numa entrevista à revista Spiegel, garantiu que não via televisão desde 1963 e nunca usara a Internet –, Cornelius Gurlitt viu o seu segredo revelado em circunstâncias que se tornam quase anedóticas, se pensarmos que a sua colecção está estimada em 1400 milhões de euros.

Em Setembro de 2010, alguns fiscais alfandegários alemães entraram num comboio que vinha de Zurique e se destinava a Munique, tentando apanhar alemães que utilizassem ilegalmente a banca suíça para fugir a impostos. Quando pediram a documentação a um homem de cabelo branco, este sacou de um passaporte austríaco que o identificava como sendo Rolf Nikolaus Cornelius Gurlitt, nascido em Hamburgo, em 1933, e residente em Salzburgo. Explicou que fora à Suíça em negócios e que fizera uma transacção na galeria Kornfeld, em Berna, e mostrou um envelope contendo nove mil euros – mil euros abaixo do limite a partir do qual teria de declarar a verba na fronteira.

Resolveram investigá-lo e não tardaram a descobrir que não vivia em Salzburgo, que não estava registado na polícia, como é obrigatório na Alemanha, não tinha número de contribuinte, não recebia nenhuma pensão e não dispunha de qualquer seguro. Acabaram por arranjar um mandado de busca para revistar o seu apartamento de Munique, onde esperavam encontrar provas de depósitos ilegais e fuga ao fisco. E descobriram-nas, mas também encontraram mais de 1400 telas atrás de uma barreira de velhas latas de comida há muito fora de prazo. Havia pinturas de Picasso, Matisse, Chagall, Gauguin, Otto Dix – algumas delas desconhecidas –, e de muitos outros artistas de várias épocas. O grosso do espólio era arte do século XX, mas Gurlitt também tinha um Dürer e telas de Canaletto, Courbet ou Renoir.

O apartamento de Gurlitt foi revistado em 2011, mas o achado foi mantido em segredo até a revista alemã Focus ter revelado que as autoridades do seu país tinham silenciado a apreensão de um vastíssimo lote de arte moderna, boa parte dela presumivelmente saqueada durante o período nazi.

Uma das principais discussões que este achado levanta é a de saber que obras foram legalmente adquiridas pelo pai de Cornelius Gurlitt, e quais as que foram roubadas, sobretudo a coleccionadores judeus. Há um mês, a 7 de Abril, as autoridades alemãs chegaram a acordo com Gurlitt, admitindo devolver-lhe parte das obras, caso o coleccionador aceitasse colaborar com uma equipa nomeada pelo governo para verificar quais as telas que foram roubadas e assegurar a respectiva devolução aos seus legítimos herdeiros. Há já 380 obras identificadas como tendo sido saqueadas pelos nazis, enquanto “arte degenerada”, e os especialistas estimam que haverá mais 590 que possivelmente também terão sido roubadas, mas que exigem ainda investigações mais minuciosas.

Nascido em Hamburgo, Gurlitt estudou em Dresden, no pós-guerra, tendo acabado o liceu em Düsseldorf, e estudou depois História de Arte na Universidade de Colónia. Segundo o seu porta-voz, morreu em  Munique, acompanhado apenas pelo seu médico e por uma enfermeira.

 


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