Candidatura da Arrábida à UNESCO caiu porque a serra não é “única, nem excepcional”

Parecer de peritos internacionais sublinha a existência de "várias pressões" causadas pela construção, o turismo e a actividade da cimenteira.

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Peritos reconhecem a beleza da serra mas apontam falhas a vários níveis Nuno Oliveira/Arquivo

O Estado retirou a candidatura da Serra da Arrábida a Património Mundial e Cultural da UNESCO, na sequência de um parecer da União Internacional de Conservação da Natureza (IUCN) e do Conselho Intermunicipal dos Monumentos e Sítios (Icomos). Embora reconheça a importância da Arrábida a nível regional e nacional, os peritos consideram que a serra não tem características excepcionais que justifiquem a classificação.

“O Parque Natural da Serra da Arrábida é importante no contexto da região mas não exibe características de relevância internacional”, lê-se no parecer, que arrasa os argumentos apresentados no dossiê de candidatura apresentado à UNESCO em Fevereiro de 2013. Embora este não inclua na área a classificar o local onde estão a cimenteira da Secil e as pedreiras, os autores do parecer destacam negativamente o seu impacto na paisagem, como “cicatrizes” irreparáveis a longo prazo. Os peritos apontam também o dedo à construção, nalguns casos ilegal, de casas de férias naquela zona e às pressões do turismo.

O técnicos da IUCN e do Icomos estiveram na Arrábida entre 1 e 4 de Outubro de 2013 para avaliarem o cumprimento dos critérios da candidatura. No relatório, admitem que a serra é “sem dúvida um sítio bonito de importância local e nacional”. Mas na comparação com outros locais classificados como Património Mundial, a Arrábida sai a perder. Os “valores naturais e culturais” presentes no território são importantes a nível nacional e europeu mas não são “únicos e excepcionais” à escala mundial, critério fundamental para a classificação. Os especialistas identificam também "deficiências no plano de gestão, desafios de coordenação e financiamento global indefinido".

“A Arrábida carece claramente da grandeza de muitas áreas costeiras protegidas e/ou de definições em termos de escala, isolamento, natureza intacta e integridade visual”, escrevem os autores do parecer, que tem um peso decisivo na classificação.

“Tendo em conta o relatório, e para não sujeitar o dossiê à recusa, o Estado decidiu recuar”, diz ao PÚBLICO João Afonso, da Associação de Municípios da Região de Setúbal (AMRS), coordenador da equipa técnica que preparou a candidatura. Este desfecho apanhou-o de surpresa. “O conjunto de indicadores que tínhamos apontavam noutro sentido”, afirma, garantindo porém que o “longo” processo de candidatura não foi em vão: "As parcerias entre os vários agentes que intervêm no território vão continuar”.

“Todo este trabalho tem valor independentemente da classificação”, sublinha, acrescentando que os parceiros envolvidos no processo - além da AMRS, as câmaras de Setúbal, Palmela e Sesimbra, o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas - vão agora analisar melhor o parecer e “procurar outras formas de obter o reconhecimento da zona”.

A candidatura, entregue na UNESCO em Fevereiro de 2013, foi assumida pelo Estado devido ao seu “enorme potencial”. “A Arrábida é uma das jóias da coroa do património português que poderá ganhar muito com o seu reconhecimento internacional”, afirmou Paulo Portas, na altura ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros.

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