Crise e troika obrigaram bancos portugueses a limpar as contas

Só entre 2011 e 2013, os quatro maiores bancos, o CGD, BCP, BES e BPI, somaram prejuízos no valor global de 5116 milhões de euros.

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Líderes dos três maiores bancos privados em Portugal têm assistido a uma quebra nos resultados Nuno Ferreira Santos
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Em Junho de 2011 quando os responsáveis da troika aterraram no aeroporto da Portela, em Lisboa, para aplicar o programa de assistência internacional, já a banca portuguesa estava em pleno ajustamento cumprindo as novas regras impostas por Bruxelas ao sistema financeiro europeu, depois da crise anglo-saxónica ter chegado ao continente europeu e contaminado a moeda única.

Qualquer análise à evolução do sector bancário nos últimos três anos não se pode, portanto, circunscrever à intervenção da troika, ainda que o memorando de entendimento assinado com o Estado português tenha incorporado o tema financeiro. Mas parte substancial do plano de reestruturação da banca, nomeadamente dos quatro maiores bancos (CGD, BCP, BES, BPI, Santander Totta e Banif) começou em 2010/2011, com a resposta da União Europeia à crise internacional que incluiu um pacote restritivo que obrigou o Banco Central Europeu (BCE) a rever as suas práticas de regulação e de vigilância. Medidas que abrangeram todos os países debaixo, ou não, de programas de ajuda externa.

O período de permanência da missão externa em Portugal coincidiu com a criação da União Bancária Europeia (UBE) que está a mudar os alicerces do sistema financeiro. Ao longo de 2014 no quadro da supervisão que vai passar a ser feita pelo BCE (um dos pilares da UBE), os grandes bancos europeus vão estar sujeitos a novos processos de avaliação mais completos, nomeadamente, destinados a aferir a qualidade dos seus activos. O governador do Banco de Portugal (BdP), Carlos Costa, já veio assegurar que quer a entidade que lidera, quer as bancos que supervisiona, “não estão impreparados para fazer face ao processo que se vai iniciar com a união bancária”.

Assim, quando em Junho os delegados da troika se desviarem do Terreiro do Paço, os bancos portugueses deverão, em princípio, apresentar balanços mais limpos e indicadores mais fortes: menos imparidades e menos activos tóxicos, menor grau de endividamento e capitais mais robustos. Um bom sinal para os clientes e contribuintes dado que o risco de colapso a adversidades inesperadas é agora menor.

Já do ponto de vista dos accionistas, nos próximos anos, é expectável que o sector continue, por força das medidas de reestruturação, a apresentar-se menos lucrativo. Entre 2011 e 2013, só os quatro maiores bancos (CGD, BCP, BES e BPI) somaram prejuízos no valor global de 5116 milhões de euros. O pior caso foi o BCP que, em três anos, já soma perdas de 2746 milhões de euros, seguindo-se o banco do Estado, com 1459 milhões.

Por isso, é provável que daqui em diante o grande desafio dos banqueiros seja o de, a partir de contas saneadas, reporem as anteriores condições de rentabilidade para remunerar os seus investidores e atrair novos.

Banca "mais sólida"
Para o economista António Nogueira Leite, ex-vice-presidente da CGD, o pedido de ajuda ao FMI, UE e BCE “trouxe auditorias especiais e análises circunstanciadas em cada visita” da missão a Portugal e coincidiu “com os esforços europeus e internacionais de ter uma banca mais sólida”. E, nesse sentido, ajudou a que “o sistema esteja hoje mais capitalizado, com uma supervisão muito mais atenta e actuante e os piores excessos do passado estejam longe de ter voltado”.

Fonte oficial do BCP, através de email, considerou que “a ajuda externa foi fundamental para assegurar a estabilidade do financiamento da banca e permitir acomodar os efeitos da degradação do rating aquando da alteração abrupta das condições financeiras”, lembrando que a banca portuguesa “ ajustou os seus balanços e também a sua estrutura, para se adequar a um novo ciclo económico.”

Mas o memorando assinado com a troika veio, em parte, enquadrar os termos europeus do ajustamento bancário. Desde logo impondo aos grupos considerados de risco sistémico (cujo colapso tem efeito de contaminação) a redução de custos. O que levou ao encerramento, entre Dezembro de 2010 e de 2013, de 650 balcões e à diminuição de 10% dos efectivos, com especial ênfase para os bancos que pediram ajuda pública: o BCP, o BPI, e o Banif. A CGD, de capitais públicos, assumiu também o compromisso de promover a saída de 900 colaboradores mas, tal como fez o BPI, por via de reformas antecipadas.

O quadro de pessoal, nos três anos em causa, registou um rombo de 4250 funcionários (o que foi negociado vai implicar a saída de mais 1500]. Fernando Ulrich, CEO do BPI, afirmou mesmo: "Choca-me que, numa altura em que a taxa de desemprego é tão elevada, que a contrapartida da ajuda pública aos bancos seja a redução de custos com redução de efectivos.”

Em simultâneo, no mesmo período, a banca procedeu a um movimento de reforço dos seus capitais a uma escala inédita. A CGD, o BCP, o BPI, o BES e o Banif promoveram operações superiores a 8,5 mil milhões de euros. Mas esta tendência tinha começado mesmo antes da entrada da troika, quando o BdP subiu os rácios de capital (que medem a solidez da instituição) dos 6% recomendados em 2008, antes do colapso do Lehman Brothers, para 8%, 9% e 10% progressivamente. E quando em Junho de 2011 os técnicos internacionais chegaram a Lisboa, já a média do sector tinha um rácio core tier 1 de 11,5%, acima dos 9% fixados no memorando de entendimento. Em 2012 a entidade bancária europeia (EBA, na sigla em inglês) avançou comum novo limite de 9%, mas agora critérios diferentes dos do BdP.

Esta quinta-feira, o presidente da Associação de Bancos Portugueses, Fernando Faria de Oliveira, em declarações à Lusa afirmou que “o rácio core tier 1 está neste momento nos 12,5%, acima dos 10% exigidos [pelo BdP]”. E sublinhou ainda que “a adequação dos balanços das instituições à sua realidade patrimonial levou a um forte provisionamento e ao registo de importantes imparidades”.

De Junho de 2011 até Março deste ano, a análise do risco aos activos dos 8 maiores grupos (CGD, BCP, BES, BPI, Santander Totta, Banif, Montepio Geral e Caixa de Crédito Agrícola Mútuo), sujeitos de três em três meses a inspecções, ditou uma necessidade de reforço de provisões superior a 7,5 mil milhões de euros. Ou seja: cerca de 5% do PIB nacional de 2013.

A análise do risco aos activos da banca, sujeita de três em três meses a testes, obrigou as instituições a reportarem elevadas imparidades, ainda que, segundo tem declarado Carlos Costa, “estas não reflictam a sua actividade actual, mas a qualidade do crédito do passado (anterior a 2008).”Para além do crédito mal parado resultante da recessão económica, que atingiu em particular as pequenas e médias empresas, os bancos sofreram com decisões erradas tomadas pelas instituições e pelos banqueiros antes de 2009.

As regras europeias de reconhecimento da  dívida pública  em carteira a preços de mercado (que obrigaram os bancos nacionais a reforçarem os capitais em mais de 3,7 mil milhões) e as transferências dos fundos de pensões da banca para o regime geral de segurança social público tiveram impacto negativo nas contas dos últimos exercícios. Já a reestruturação da dívida da Grécia, com corte de 65% da dívida nas mãos dos investidores privados, traduziu-se em mais perdas mas apenas para dois bancos. No BPI a exposição à dívida grega levou a perdas de 339 milhões de euros e no BCP a 346 milhões de euros.

“A perda de acesso aos mercados de capitais na fase inicial do ajustamento, com a descida dos ratings (que, por sua vez, resultou de um efeito de contágio da descida do rating soberano) e os impactos da forte recessão vivida nos últimos anos na economia portuguesa”, foram dificuldades do pós troika, lembra Carlos Andrade, director do BES. Adianta que “os sectores não transaccionáveis sofreram o impacto do processo de ajustamento da economia portuguesa”, mas também “o forte aumento do desemprego” o que “criou, naturalmente, dificuldades, aos bancos com uma deterioração da qualidade do crédito (aumento do crédito vencido e em risco)”

Por seu turno, o BCP observou que “o efeito de rumores constantes de saída do euro e a pressão implícita nos recursos obrigou os bancos a focarem-se na retenção dos mesmos e numa política transparente e coordenada com as autoridades para que em Portugal não se registassem evoluções semelhantes às da Irlanda, da Grécia, do Chipre e até de Espanha, e que foram devastadoras”.

A “correcção dos desequilíbrios da economia portuguesa”, por via de um programa de austeridade, que “condicionou a actividade económica”, acabou por se reflectir “na redução do negócio bancário e no aumento do crédito em risco.” Houve ainda o efeito na actividade da evolução da taxa Euribor que em dois anos caiu de 5% para quase 0%.

Foi num contexto que o tema da recapitalização da banca concentrou o debate nos meses que se seguiram à entrada da troika. Só que a discussão espelhava a preocupação dos banqueiros relacionada com os seus accionistas, muitos com excesso de exposição às próprias instituições. E apelos a mais injecções de fundos, num cenário de falta de liquidez, não seriam aceites.

A situação ajuda a compreender por que razão no acordo assinado com a missão externa se incluiu uma tranche, correspondente a 15,4% do pacote financeiro de apoio ao Estado português [78 mil milhões de euros], para capitalizar a banca ou via empréstimos de capital contingente (os CoCos) ou pela entrada directa do Estado.

Dos 12 mil milhões de euros (que se manterão activos depois da saída da troika) foram usados até agora 5,6 mil milhões de euros. O BCP pediu emprestados 3 mil milhões e o BPI 1,5 mil milhões mas, após ter começado logo a pagar, já solicitou este ano a antecipação da liquidação da dívida total. O Banif recebeu 1,1 milhões de euros, 700 milhões por entrada do Estado no capital e 400 milhões emprestados (Cocos).

O BES que não pôde financiara-se junto da linha de 12 mil milhões (apenas a sociedade controladora, ESFG, o podia fazer) foi levantar fundos ao mercado da ordem dos 2 mil milhões. Já a CGD, pelo facto de estar impedida de aceder ao fundo, o Estado fez aumentos directos de capital no valor de 900 milões, para compensar os prejuízos gerado pela operação em Espanha. Em Março deste ano, o BCP, o BPI, o Banif e a CGD contabilizaram encargos e juros de quase 700 milhões de euros.

Embora o tema “não seja exclusivo do sector bancário português”, afirma o director do BES, por email, “após a crise económica e financeira global, e com as respostas de regulamentação e supervisão a esta crise, os bancos tenderão, em todas as economias, a enfrentar maiores desafios no que respeita à rentabilidade, no sentido em que a actividade bancária tenderá a concentrar-se em actividades mais “core”, ou mais básicas”.  

Hoje, os bancos portugueses estão presentes num número muito menor de empresas. A instituição financeira do Estado, por exemplo, vendeu 80% do negócio dos seguros aos chineses da Fosun, e desfez-se também dos activos que detinha na área da saúde, além de ter alienado posições como a que detinha na Cimpor. Já o BES, que tem sido alvo de várias inspecções do BdP (que abrangem a ESFG, que já foi este ano obrigada a constituir imparidades de 700 milhões) saiu do capital da EDP, mas manteve-se na PT, acompanhando o aumento de capital que faz parte da fusão com a brasileira Oi.

No programa da troika, extra pacote europeu, consta ainda a orientação de desalavancagem (redução do endividamento das instituições) para um rácio de créditos sobre depósitos de 120% (os bancos só podem conceder de crédito mais 20% do que têm em depósitos). Os banqueiros chamaram a atenção para o facto de tender a acentuar o quadro recessivo, pois levaria à contracção do crédito, com impacto na economia (sobretudo nas PME). Segundo Faria de Oliveira o rácio médio do sector já está nos 117%. No caso do BPI está já caiu para 96%.

No BCP o rácio de crédito sobre depósitos passou de 145% em 2011 para 117% em 2013. “Procuramos encontrar um equilíbrio entre a desalavancagem e a manutenção de financiamento à economia, o que implicou grande rigor e responsabilidade na afectação de recursos escassos, selecção na exposição e reforço de mecanismos alternativos de financiamento”, explicou o banco liderado por Nuno Amado.

“Ainda com muitos riscos e com dificuldade em atrair novos accionistas, o sector bancário tem prosseguido o seu ajustamento gradual: mais capitalizado, com balanços avaliados a preços crescentemente mais próximos da realidade e com critérios de análise de risco mais prudentes, a evolução do sector superou largamente as piores expectativas de meados de 2011”, concluiu Nogueira Leite.

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