Serviços de informação da Ucrânia denunciam ataque orquestrado pela Rússia sobre Odessa

Violência na terceira cidade ucraniana, junto ao Mar negro, matou 46 pessoas. "O que está a acontecer no país não é uma revolta passageira, é uma guerra", considera o responsável da unidade anti-terrorismo.

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Polícia montou cordão de segurança em torno do edifício incendiado REUTERS/Gleb Garanich

Os candidatos à presidência da Ucrânia acorreram neste sábado para Odessa, a terceira maior cidade do país, e que acordou praticamente em estado de sítio depois de uma batalha campal entre claques de futebol apoiantes do Governo de Kiev e activistas pró-russos, que culminou no incêndio do edifício onde se refugiaram os separatistas. O conflito fez pelo menos 46 mortos – a maior parte das vítimas sucumbiu ao fogo, mas várias foram mortalmente atingidas a tiro. O Governo decretou dois dias de luto.

Os sinais da violência da véspera estavam por todo o lado. Nas imediações da central sindical que foi ocupada pelos rebeldes, sentia-se um cheiro intenso a querosene: aparentemente, o fogo deveu-se ao arremesso de cocktails molotov. Perfilado à volta do edifício, um cordão de polícias de choque resistia aos insultos de uma multidão pró-russa.

Segundo os serviços de segurança da Ucrânia (SBU), nos confrontos de sexta-feira estiveram envolvidos “grupos paramilitares e mercenários da Transnístria”, uma província da Moldávia, que estarão a soldo dos rebeldes pró-russos. “Os incidentes do dia 2 de Maio em Odessa, que fizeram dezenas de vítimas, resultaram da interferência estrangeira”, resumiu a porta-voz da SBU, que apontou o antigo vice primeiro-ministro Sergei Arbuzov e o ex-ministro das Finanças, Alexander Klimenko, como os financiadores das manobras para desestabilizar a região do mar Negro.

O ex-pugilista Vitali Klitschko, líder do partido Udar (Murro), apareceu com Petr Poroshenko, o candidato à presidência que lidera as sondagens para as eleições marcadas para 25 de Maio. A sua adversária política Iulia Timoshenko, foi para a cidade logo na sexta-feira à noite. Os principais protagonistas políticos da Ucrânia “unida” esforçaram-se por transmitir a ideia de um ataque injustificado e orquestrado pela Rússia. “O desastre poderia ter sido evitado”, disse Poroshenko, acusando a polícia de Odessa de inacção. “Esta tragédia foi produzida pelo Kremlin, que está a tentar criar um cenário jugoslavo para retalhar o país”, atacou Timoshenko.

Em Odessa, como em Donetsk, Slaviansk e Kramatorsk – onde violentos confrontos entre o Exército ucraniano e as forças rebeldes pró-russas se prolongavam pelo segundo dia consecutivo –, cada vez é mais difícil iludir ou disfarçar o ambiente de desagregação iminente que paira no ar. “O que está a acontecer na região de Donetsk e no Leste do país não é nenhuma espécie de revolta passageira: é uma guerra”, resumiu à Reuters o responsável pela unidade anti-terrorismo da Ucrânia, Vasil Krutov.

Como Timoshenko, os veteranos repórteres de guerra europeus diziam neste sábado que já tinham visto este filme: há mais de 20 anos, quando a união das repúblicas que formam hoje a ex-Jugoslávia entrou em colapso. “Mas desta vez, a grande potência com poder e influência é o vizinho do lado”, distinguia Jeremy Bowen, da BBC.

A Rússia negou qualquer responsabilidade na violência de sexta-feira (até agora o dia mais sangrento desde o início da sublevação separatista) e insistiu que a multiplicação de incidentes em vários pontos do país, é a prova irrefutável de que a Ucrânia não está em condições de realizar eleições no final do mês. “A ideia é absurda”, considerou o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov.

Em declarações à Reuters, o assessor sublinhou que Moscovo tem recebido “milhares” de pedidos de assistência da população ucraniana que fala russo. “As pessoas pedem apoio, estão desesperadas. Naturalmente, estes pedidos são transmitidos ao Presidente”, informou Peskov. Pelo seu lado, os aliados ocidentais têm apelado ao Kremlin para “refrear” os ânimos dos separatistas ucranianos – no entanto, como admitiu o porta-voz de Putin, as autoridades russas perderam a sua capacidade de influenciar as acções dos militantes armados. “Esse elemento é absolutamente novo para nós”, frisou.

Em mais um telefonema para debater os últimos desenvolvimentos da crise ucraniana, o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, repetiu que Moscovo tem deixar de colaborar com os separatistas e respeitar a integridade territorial do país vizinho. Na resposta, o seu homólogo russo, Sergei Lavrov, disse que o Ocidente devia pressionar o Governo interino de Kiev a desistir da ofensiva militar no Leste, que “ameaça mergulhar o país num conflito fratricida”.

Em Slaviansk e Kramatorsk, a operação militar para dominar os separatistas e recuperar o controlo dos edifícios tomados pelos rebeldes foi “reactivada” nas primeiras horas da madrugada, informou o ministro do Interior, Arsen Avakov, que garantiu que as tropas ucranianas “não vão parar de avançar”.

Logo pela manhã, as forças nacionais reclamaram um sucesso: a libertação dos sete observadores internacionais da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), que foram para a Ucrânia avaliar o respeito pelos termos do acordo de cessar-fogo negociado em Genebra e subscrito pela Ucrânia, Rússia, União Europeia e Estados Unidos, no dia 17 de Abril, depois de três meses de hostilidades.

Os homens da OSCE foram sequestrados pelas forças pró-russas e mantidos durante oito dias – a sua libertação, que foi negociada por um enviado de Putin à região e anunciada pelo líder dos rebeldes de Slaviansk, Viacheslav Ponomarev, como um “acto humanitário voluntário”, vem contrariar a acepção do Kremlin de que não controla as movimentações dos separatistas.

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