Quando tudo o que pode correr mal numa execução acontece

Responsável recomenda suspensão indefinida das execuções no Oklahoma e um inquérito independente à morte de Clayton Lockett.

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A injecção letal é o método usado preferencialmente nos 32 estados norte-americanos que mantêm a pena capital Reuters

Já sabíamos que a execução de Clayton Lockett, na terça-feira, no estado norte-americano do Oklahoma tinha corrido mal. Que o processo tinha sido iniciado às 18h23 e que ele só morrera 43 minutos depois, já a execução tinha sido suspensa. Agora, ficámos a saber que tudo o que pode correr mal na administração de uma injecção letal aconteceu mesmo neste caso: os técnicos tiveram muitas dificuldades em encontrar uma veia viável, o cateter foi mal colocado e o prisioneiro não terá reagido como esperado ao cocktail letal.

Uma carta enviada pelo director do Departamento Correccional do estado, Robert Patton, à governadora descreve passo a passo o último dia de Clayton, desde ter sido atingido por uma descarga de taser logo pela manhã até aos 51 minutos que foram precisos para encontrar uma veia, o que finalmente aconteceu, na virilha.

Segundo a reconstituição de Patton, Clayton levou um choque quando recusou abandonar a cela para os primeiros exames médicos do dia – o recurso a uma descarga de taser no último dia de um condenado pode não ser inédito, mas não é certamente comum. Quando Clayton já estava no consultório, descobriu-se que tinha feridas auto-infligidas no braço direito; foi tratado, mas um médico decidiu que não precisava de pontos.

Muitas horas depois, já na câmara de execução, os técnicos concluíram que não conseguiam encontrar nenhuma veia viável nos braços, pernas, pés ou pescoço. Avançaram então para a virilha e avançou-se para a execução; as cortinas que separaram a câmara da assistência foram abertas e o primeiro fármaco, que deve funcionar como sedativo, foi administrado.

A partir daí, nada correu como previsto. Clayton demorou dez minutos a ser dado como inconsciente – bastante mais do que o habitual –, altura em que foram administradas as outras duas drogas, que se esperem que paralisem os músculos e o coração, provocando a morte.

Quando Clayton começou a gemer e a contorcer-se e as cortinhas se fecharam, o médico presente “verificou a ligação intravenosa e afirmou que a veia tinha rebentado e que as drogas ou tinham sido absorvidas pelo tecido muscular, ou vazado, ou ambos”, descreve Patton. Este colocou em seguida uma série de perguntas ao médico: “Foram administrados fármacos suficientes para provocar a morte?” e “Há outra veia disponível e, nesse caso, há drogas suficientes disponíveis?”. As respostas sucederam-se e repetiram-se – “Não”.

Patton quis então saber como estava Clayton. Inconsciente e “com um batimento cardíaco ténue”. Eram 18h56 e Patton mandou interromper a execução; Clayton morreu dez minutos mais tarde.

Inserir uma agulha na virilha “é um procedimento invasivo e complexo que requer uma experiência e um treino extensos”, diz ao jornal The New York Times Mark Heath, anestesista da Universidade de Columbia. “Há muitas maneiras de verificar se a agulha está correctamente colocada na veia, e se isso tivesse sido feito as pessoas envolvidas saberiam com antecedência que o cateter não estava correctamente posicionado."

O Oklahoma não divulga os nomes dos técnicos e médicos envolvidos nas execuções. E agora, desde que os fármacos habitualmente usados como sedativos nas execuções deixaram de estar disponíveis no mercado, também não divulga a origem de todos os produtos que usa nas injecções letais.

Na carta que dirige à governadora Mary Fallin, Patton pede “uma suspensão indefinida das execuções”, já que serão precisas semanas para redefinir um novo processo de execução por injecção letal e, depois disso, treinar o pessoal necessário para levar a cabo novas execuções.

A polémica em redor das garantias da injecção letal como método capaz de matar sem provocar a inconstitucional “punição cruel e pouco comum” é longa e não faltam exemplos com contornos aterradores.

Um estudo feito pelo jornal britânico The Guardian diz que, entre 1980 e 2010, 7% das injecções letais nos Estados Unidos correram mal. Nalguns casos foi a dificuldade em encontrar uma veia; noutros, erros humanos, como a inserção do cateter. Mais recentemente, são muitos os episódios de mortes extremamente demoradas por reacções a fármacos ou combinações de drogas que não foram previamente testados.

“Quão invejável é a morte tranquila por injecção letal”, disse um dia Antonin Scalia, hoje juiz do Supremo Tribunal, ao comparar o sofrimento de um condenado com o da sua vítima. A frase é recordada pelo Guardian, interrogando-se se depois de terça-feira Scalia diria o mesmo.

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