Zigong

Um dia, Confúcio disse: “Aí está Hui! Já quase que alcançou a virtude perfeita. Mas passa necessidade. Ci não se conforma com a vontade celestial, mas acumula mercadoria para multiplicação de sua riqueza. E é frequentemente bem sucedido nos seus empreendimentos.”

De entre todos os seus discípulos, Confúcio estimava especialmente dois, Yan Hui (521-481 a.C.) e Duanmu Ci (520-446 a.C.). Isto não impediu que gerações de comentadores elaborassem que esta passagem clássica constituía elogio ao primeiro e crítica, condenação mesmo, ao segundo. Mas estavam enganados. Confúcio ordenava a sua estima pelo grau de virtude. Neste trecho, sem dúvida que elogiou Hui. Mas não deixa, por isso, de também gabar Ci. De entre todos os discípulos do mestre, Yan Hui sobressaía pela virtude, e Duanmu Ci pelo talento. Quando comparados os dois, Hui era o superior; mas quando comparado com os outros discípulos, Ci não ficava abaixo de ninguém, excepto de Yan Hui. Consequentemente, Confúcio elogiou Hui primeiro, e confirmou quão perto estava da virtude. Mas depois elogiou Ci, e deu a entender que, apesar de não se conformar com a vontade celestial, era pelo seu superior engenho frequentemente bem sucedido no comércio.

Ganhar é bom e lucrar não é vício. Nem para camponeses, nem para artesãos, nem para comerciantes. Para estes, vício é lucrar enganando, depravação é ganhar perdendo a rectidão moral. No entanto, quer o povo quer os comentadores eruditos estão de acordo numa interpretação que fazem dos clássicos. Ganhar é sempre corrupção e lucrar é sempre dolo numa situação concreta: quando quem ganha e quem lucra são soldados ou mandarins. Enriquecimento em servidores do Estado é sempre sinal de corrupção moral. Quando isto acontece, o Imperador perde o mandato do Céu e, consequentemente, a sua legitimidade. Segue-se sempre mudança dinástica.

É verdade que, do ponto de vista moral, Yan Hui era o primeiro, apesar de não cuidar da sua situação económica. Por isso veio a ser endeusado com o nome mestre Ziyuan. No entanto, do ponto de vista intelectual, Ci era o melhor, como demonstrado pelo seu sucesso mundano. Mas isto em nada obstava à perfeição moral do seu carácter. Esta sempre foi a interpretação da massa do povo, e eventualmente esta sobrepôs-se à interpretação dos mandarins. Que acabaram por também deificar Duanmu Ci com o nome mestre Zigong.

Professor de finanças, AESE

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