Guia supremo e 682 apoiantes da Irmandade condenados à morte no Egipto

Sentença, a segunda parte do maior julgamento da história moderna do país, ameaça fazer reacender a tensão, a um mês das presidenciais.

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Badie quando foi detido, em Agosto do ano passado Reuters

Um tribunal egípcio recomendou a pena de morte para o guia supremo da Irmandade Muçulmana, Mohamed Badie, e outros 682 apoiantes da confraria, na segunda parte de um processo maciço e sumário que foi alvo de repúdio internacional. No mesmo dia, e confirmando que há cada vez menos espaço para vozes dissidentes, uma outra instância baniu o grupo pró-democracia que foi um dos principais organizadores da revolta que, em 2011, levou ao derrube do regime de Hosni Mubarak.

Said Youssef Sabry, juiz único do tribunal que julga os mais de 1200 acusados de terem participado em manifestações violentas em Minya, na região do Alto Egipto, “demonstrou uma vez mais o quanto a justiça egípcia se tornou arbitrária a parcial e se arrisca a ser, pura e simplesmente, mais uma engrenagem do aparelho repressivo das autoridades”, reagiu a Amnistia Internacional, mal foi conhecido o veredicto.

Dos 683 condenados nesta segunda-feira apenas 50 estão detidos – os restantes estão foragidos ou tinham sido postos em liberdade condicional antes do início do julgamento que, tal como o que terminou em Março com a condenação à morte de 529 militantes da Irmandade, não durou mais do que uma sessão, sem que os advogados tivessem direito a apresentar a defesa dos arguidos.

À porta do tribunal houve gritos e desmaios, mas também quem não calasse a revolta, apesar da forte presença policial. “Onde está a justiça?”, gritaram mães, filhos e mulheres de condenados. O advogado de defesa Khaled Elkomy disse à BBC que existem provas de que 60% dos arguidos nem sequer participaram nas manifestações de 14 de Agosto em Minya. Dois polícias morreram nos protestos, no mesmo dia em que mais de 700 apoiantes de Mohamed Morsi, deposto pelo Exército um mês antes, eram mortos pelas forças de segurança em duas praças do Cairo. “Isto é um processo político contra os que se opõem ao regime militar”, disse à AFP Gamal, um professor de árabe de 25 anos que está entre os condenados à revelia.

Na sessão desta segunda-feira, o juiz proferiu ainda a sentença final para o primeiro grupo de acusados: apenas 37 dos 529 arguidos condenados à morte (dos quais apenas 123 estão detidos) viram as suas penas confirmadas, tendo as restantes sido comutadas em prisão perpétua. O mesmo poderá acontecer com esta nova sentença que, tal como sucede com todas as condenações à pena capital, foi enviada para análise para o grande mufti do Egipto, a mais alta autoridade religiosa do país – a sua opinião não é vinculativa, mas as condenações são ainda passíveis de recurso e todo o julgamento pode vir a ser anulado tamanhas são as violações processuais identificadas.

Seja qual for o desfecho, a condenação à morte de Badie, que é arguido em vários outros processos em que incorre na pena capital, arrisca-se a fazer subir tensões quando falta exactamente um mês para as eleições presidenciais que irão, com toda a certeza, eleger Abdu Fattah al-Sissi, chefe militar que afastou Morsi e que entretanto abandonou o Exército para poder candidatar-se. “Mesmo que me executem mil vezes não me vão desviar do caminho certo”, respondeu o líder da Irmandade, citado pelo seu advogado, durante uma audiência em tribunal no Cairo, onde está detido. Desafiador, contam fontes da segurança citadas pela Reuters, brincou com outros dirigentes da Irmandade pedindo-lhes para lhe irem comprar o uniforme vermelho dos condenados à morte.

Estes julgamentos – os maiores de sempre da história moderna do país – têm confirmado os receios dos activistas dos direitos humanos de que o governo imposto pelos militares e os juízes estão decididos a esmagar todos os dissidentes. Um receio que um tribunal do Cairo reforçou nesta segunda-feira ao ilegalizar o movimento 6 de Abril por “prejudicar a imagem do Estado” e contactos ilegais com estrangeiros. Os três fundadores do grupo, que usou as redes sociais para mobilizar os jovens que estiveram na frente dos protestos na Praça Tahrir contra Mubarak, foram condenados em Dezembro a três anos de prisão por terem organizado um protesto não-autorizado na capital.  

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