As ligas profissionais vão acabar?

1. Quinta-feira o Governo aprovou um diploma que vem alterar o regime jurídico das federações desportivas de 2008. Teremos ensejo, com a sua publicação, de debruçarmo-nos sobre o seu conteúdo. Hoje, em face de um certo eco comunicacional, olhemos as relações entre federações e as ligas.

2. Um regime jurídico das federações ocupa-se entre outras, de duas importantes matérias: a do relacionamento entre o Estado e as federações e a da vivência, no seio de uma federação, de uma liga. Quer um, quer outro, destes segmentos normativos, são extremamente competitivos. Sempre foram, desde 1990. Por vezes o Estado “ganha” em termos de intervenção pública na vida das federações; às vezes, é o espaço associativo que obtém, aqui e ali, mais liberdade. O mesmo sucede nas relações entre as federações e as ligas.

3. Por outro lado, nestes “jogos”, que se expressam no recinto “regime jurídico das federações desportivas”, muitas das “leis do jogo” encontram-se pré-determinadas nas leis de bases do desporto que se foram sucedendo no nosso tempo. Vigora, na actualidade, a Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto, de Janeiro de 2007.

4. As normas jurídicas que em Portugal norteiam a convivência de uma federação e de uma, contam com uma história já considerável. Houve momentos de maior afirmação federativa e houve – porventura durante mais tempo – pontos altos de afirmação de autonomia das ligas. Contudo, sempre afirmei – e não me encontro isolado nesta leitura –, que a Lei de Bases de 2007 rompeu, de uma forma impressiva, com uma autonomia das ligas que se afirmava quase em crescendo. A Lei de Bases marca um princípio da prevalência federativa.

5. Esta mesma leitura veio, em boa medida, a ser sufragada – sem discordância dos seus 17 membros - pelo Grupo de Trabalho que o Governo nomeou para, durante o 1º semestre de 2013, avaliar a vigência do diploma de 2008. Trabalho inteiramente benévolo – frise-se – que acabou por me ter por relator do texto final.

Aí, para além de se adiantar um entendimento sobre as regras vigentes e o alcance da “delegação de poderes” das federações nas ligas, enfatizou-se, acima de tudo, a necessidade da lei contar com repostas mais isentas de dúvidas para este muito especial relacionamento. Pode-se não concordar com a leitura que se fez. Não se pode, todavia, assim o achamos, considerar desadequada a necessidade de clareza neste domínio. Em que sentido só ao poder político, mais uma vez, cumpria decidir.

6. Pelo que se sabe – a partir de um texto presente dois antes ao Conselho Nacional do Desporto – o Governo procurou dar resposta visando acautelar que acções ou omissões das ligas, no exercício de poderes públicos, pudessem perigar – ou fazer perigar – o próprio estatuto de utilidade pública desportiva, titulado exclusivamente por federações. Compreende-se, tendo presente que uma federação não deve ver o exercício dos poderes públicos delegados pelo Estado e o seu reconhecimento – e apoio público – colocados em crise por actos ou omissões que não são da sua responsabilidade.

7. Porém, uma coisa é clarificar, outra a forma de o fazer. Ora, o espaço comunicacional não deixou de referir que o Governo pode, em momento de vivência patológica de uma liga, impor a esta última, a realização de eleições para novos órgãos, entre outras manifestações de pura violação à liberdade de associação.

Se a solução de quinta-feira for a mesma de terça-feira, andou muito mal o Governo, fazendo lembrar aqueles quadros que até apreciamos mas que, a dado momento, sabe-se lá por que razão, o pintor entendeu desenhar uma figura bem deformada. Veremos no Diário da República. josemeirim@gmail.com

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