O 25 de Abril, aos 15 anos

Eu tinha 15 anos, o mundo na mão e a ideia de que tudo era para sempre.

Lembro-me do telefonema de madrugada. Da Filipa Azevedo, a dizer que não havia aulas porque os militares estavam na rua. Dos abraços de parabéns da Guiomar Belo Marques e do António Costa Santos.

Lembro-me da alegria silenciosa da minha mãe. Do meu pai, de pé, num carro de uma coluna militar a subir para o Rato.

Lembro-me de correr eufórica com os meus irmãos, pelas ruas. Da emoção, no Largo do Carmo, de mão dada com o meu tio, para não me perder.

Dos cravos, das canções, das palmas, da multidão. Das saudações de pessoas que não conhecia.

Lembro-me da infinita alegria, do espanto, do entusiasmo, da poesia. Muitos anos depois de secretas esperanças, de prisões e lágrimas derramadas. De uma inquietação inconformada.

Eu tinha 15 anos e uma clara consciência das coisas. Crescera no meio de tertúlias de oposição ao regime, de críticas e de protestos. Já visitava presos políticos nas cadeias, ajudava a esconder documentos subversivos debaixo dos tapetes da sala. Tinha poemas cortados pela censura na República dos Míudos. Uma crónica com o meu nome assinada no jornal República pelo Álvaro Guerra.

Aquele era o dia que eu esperava, tal como no poema de Sophia de Mello Breyner. Iluminado e florido.

No pátio do liceu onde frequentava o antigo 5.º ano, o Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho, os soldados tomavam posição enquanto recebiam os chocolates que as alunas lhes ofereciam. No cimo das escadas, ouvia-se a voz entusiasmada da Ana Cordovil, megafone na mão, em sessões de esclarecimento para os estudantes.

E no familiar Jardim da Estrela, onde eu costumava passear e estudar, as pessoas levantavam-se a bater palmas, cada vez que um simples soldado passava. “O povo está com o MFA”, gritava-se. E o soldado lá agradecia o cumprimento, meio envergonhado, com os dedos em V.

Eu tinha 15 anos, o mundo na mão e a ideia de que tudo era para sempre.

Técnica de Comunicação da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa

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