Inês Pedrosa foi alvo de um inquérito da tutela mas diz que sai da Casa Fernando Pessoa por sua vontade

Inês Pedrosa demitiu-se do cargo alegando que precisa de tempo para escrever, mas o PÚBLICO sabe que foi alvo de um inquérito cujas conclusões apontam para a cessação do contrato, que só terminaria em 2015

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A directora da Casa Fernando Pessoa (CPF), Inês Pedrosa, demitiu-se do cargo que ocupava desde 2008, afirmando que a sua decisão se ficou a dever ao desejo de se dedicar a novos projectos.

 “Tenho propostas editoriais para um livro de contos e para outro de ensaios, e há um romance que tenho absolutamente de escrever”, diz a ex-directora, assegurando que não há relação entre a sua saída e a notícia que o PÚBLICO avançou no final de Janeiro, dando conta de que a CFP adjudicara vários serviços, por ajuste directo, à empresa de um designer brasileiro, Gilson Lopes, que emitira facturas relativas a esses mesmos serviços indicando como “escritório e morada postal” a residência de Inês Pedrosa.

O PÚBLICO sabe, no entanto, que a EGEAC (Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural, tutelada pela Câmara Municipal de Lisboa) lhe abriu um inquérito cujas conclusões apontam para a cessação do contrato. “Ouvi dizer que lançaram um inquérito, mas nunca me mostraram resultados de inquérito nenhum” , diz Inês Pedrosa, que assegura que a EGEAC está de posse de uma carta sua a pedir a rescisão. O PÚBLICO tentou falar com o presidente da EGEAC, Miguel Honrado, mas este afirmou não querer fazer quaisquer declarações.

A demissão da directora foi tornada pública na noite de quinta-feira, num debate sobre liberdade na Casa Fernando Pessoa, integrado no programa Os Espaços em Volta. A jornalista e poeta Filipa Leal, uma das organizadoras da sessão, leu uma mensagem de Inês Pedrosa, na qual esta anunciava a sua saída e fazia os agradecimentos da praxe. “Já tinha saído da Casa, mas quis deixar uma mensagem a agradecer a toda a gente, e também aos que participavam naquela sessão”, explica a ex-directora.

O seu mandato terminaria em 2015, mas Pedrosa diz que foi por decisão própria que antecipou a saída. “Vou fazer 52 anos, e nestes últimos tempos tem morrido muita gente perto de mim, o que também me fez pensar na minha vida”, diz a ex-directora da Casa Fernando Pessoa. “Senti que era a altura de sair”, acrescentou, lembrando ainda que já estava “há muito tempo” em funções e que “as pessoas não se devem eternizar no poder”.

Para lá de se dedicar aos livros que pretende escrever, não adiantou outros projectos, mas lembra que é portadora de carteira profissional de jornalista.

Quanto à sua sucessão na Casa Fernando Pessoa, diz não saber quem irá ocupar o cargo e adianta que ninguém lhe pediu opinião. Mas quem assumir o cargo encontrará, diz, um plano de actividades elaborado até 2015, que poderá ou não assumir. Para Julho, está agendada uma exposição de Nikias Skapinakis, e em Outubro prevê-se a inauguração de uma mostra de Manuel Casimiro. E há ciclos temáticos e conferências agendados até ao final deste ano, com convites já feitos, e que agora ficarão também dependentes da decisão de quem vier ocupar o cargo.

O PÚBLICO falou ontem com dois pessoanos – Patricio Ferrari e Richard Zenith, prémio Pessoa em 2012 –, que fazem ambos um balanço francamente positivo do mandato de Inês Pedrosa. Mas o facto de um e outro só nos últimos dias terem ficado a saber desta saída – sendo que Ferrari tem actividades agendadas para a CPF nos próximos meses – parece pouco compatível com a pretensão de que esta foi uma saída natural, que resultou de uma decisão ponderada e de motivos exclusivamente pessoais.

Inicialmente dirigida por Manuela Júdice, quando o presidente da Câmara de Lisboa era ainda João Soares, a Casa Fenando Pessoa teve depois como responsáveis a jornalista e colunista Clara Ferreira Alves e o escritor (e depois secretário de Estado da Cultura) Francisco José Viegas, ambos com mandatos bastante mais breves do que os seis anos que Inês Pedrosa já levava como directora da Casa.

Richard Zenith elogia o “dinamismo e a energia” de Inês Pedrosa, quer a  “encontrar apoios e patrocínios”, quer a conseguir “fazer coisas sem gastar muito dinheiro”.  E destaca como grande feito do seu mandato a digitalização total da biblioteca de Pessoa, que se encontra disponível online desde o final de 2010. Zenith precisa que o mérito é sobretudo do pessoano Jeronimo Pizarro e da sua equipa, que “fez um trabalho fantástico”, mas lembra que Inês Pedrosa conseguiu o patrocínio da Fundação Vodafone.

Patricio Ferrari, que foi, com Pizarro e Antonio Cardiello, um dos coordenadores da equipa que passou meses a digitalizar graciosamente os livros da biblioteca de Pessoa, lembra que contactou com a CPF quando esta era ainda dirigida por Francisco José Viegas e diz “não há comparação” entre o seu mandato e o de Inês Pedrosa. “Era muito simpático, mas não me ocorrem grandes momentos pessoanos durante a sua direcção, eles só começaram a acontecer com Inês Pedrosa”, diz Ferrari.

Além da digitalização da biblioteca, elogia o facto de a ex-directora ter conseguido manter a realização, de dois em dois anos, de um congresso internacional pessoano. “No primeiro congresso, em 2008, prometeu fazê-lo, mas nunca pensei que fosse possível”, confessa Ferrari.

Este pessoano espera agora que quem vier a suceder a Inês Pedrosa, “seja mulher ou homem, português ou estrangeiro”, esteja “à altura” do que ele e outros pessoanos já deram à CPF. “Se vier uma marioneta, será revoltante, e eu, pessoalmente, não me calarei se isso acontecer”, diz.

Tal como Zenith, Ferrari não comenta as irregularidades atribuídas a Inês Pedrosa. Sublinha apenas que tem “muita pena” que “uma marca feia” fique associada a uma direcção à qual reconhece mérito, mas também sublinha que, enquanto colaborador da CPF, quer “saber a verdade”.

A par dos congressos, conferências, exposições, e de toda a restante programação da CPF, Inês Pedrosa cita ainda a reconstituição do quarto de Pessoa como uma das iniciativas felizes do seu mandato. Mas também confessa uma mágoa: não ter conseguido angariar atempadamente a verba necessária para adquiri a arca do poeta, leiloada pela família de Pessoa. “O que temos na Casa é uma cópia da arca, mas que tem um valor estimativo muito especial, porque foi simpaticamente feita pelos carpinteiros da Câmara Municipal de Lisboa”.

Quanto às acusações de que é alvo, Inês Pedrosa diz que “nunca houve favoritismos de espécie nenhuma” na CPF, garante que não enriqueceu no lugar – nem foi, que se saiba, acusada disso –, assegura que as “alegadas ilicitudes eram trabalhos feitos abaixo do preço de mercado por pessoas que queriam ajudar a casa”, e conta que “até os lençóis do quarto de Pessoa”  eram lavados em sua casa para poupar o dinheiro da lavandaria.

 

 

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