Doentes com esclerose múltipla queixam-se de dificuldades em ter consulta

Associações dizem que "há cada vez mais hospitais que obrigam os doentes ou seus familiares a deslocarem-se às farmácias hospitalares mais do que uma vez por mês para levantar a sua medicação".

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Hospital de Santa Maria responde que têm apenas um médico neurologista para atender doentes com esclerose múltipla Público

Rita Gomes tem 36 anos, é reformada por invalidez desde os 31, cerca de dois anos depois de lhe ter sido diagnosticada esclerose múltipla. A doente, seguida no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, diz que aguarda há três anos por uma consulta que supostamente devia ser semestral. A secretária-geral da Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla (SPEM), Manuela Duarte Neves, uma associação de doentes, dá o caso de Rita como exemplo das dificuldades crescentes no acesso a consultas hospitalares de seguimento destes doentes. O Hospital de Santa Maria, em Lisboa, respondeu à SPEM que há apenas um médico neurologista a dar consultas e que, quando se justifica, os doentes são reencaminhados para outras unidades.

A esclerose múltipla é uma doença que afecta o Sistema Nervoso Central e que surge com mais frequência entre os jovens adultos, costuma ser diagnosticada por volta dos 25/30 anos. Pode ter vários sintomas, que vão desde a visão turva, à fadiga, perda de força muscular, problemas de equilíbrio e coordenação. A doença não tem cura, mas a medicação pode minorar a manifestação de sintomas. Em Portugal estima-se que existam mais de cinco mil doentes.

Quando chega ao Verão, Rita diz que precisa de ter a sua medicação adaptada, por causa do calor, por isso, no ano passado, por esta altura não aguentou mais a espera da consulta no Santa Maria e decidiu ir ao seu médico, mas no privado, pagou 70 euros, mais os 20 euros de táxi, e conseguiu ser atendida. O marido de Rita, que sofre da mesma doença, tinha consulta no Santa Maria para Maio, recebeu uma carta a adiá-la para Outubro.

A responsável da SPEM diz que interrogou a unidade sobre a situação de Rita, encaminhando também o caso para o Ministério da Saúde. Na resposta enviada à SPEM lê-se que “o Centro Hospitalar Lisboa Norte [que inclui o hospital de Santa Maria e o Pulido Valente] só tem um médico responsável por esta consulta, o qual não tem possibilidade de manter o correcto seguimento a todos os doentes que estão à sua responsabilidade”. Explica-se ainda que, “sempre que clinicamente entende que tal é desejável e necessário, está a encaminhar os doentes da área de responsabilidade de outros hospitais para os mesmos. Naturalmente que a prioridade está a ser concedida aos doentes da responsabilidade directa do CHLN”, lê-se na resposta do presidente do conselho de administração, Carlos Martins.

Manuela Duarte Neves contraria aquela informação, dizendo que os doentes que contactaram a SPEM não têm sido encaminhados para outras unidades. A responsável por aquela associação de doentes diz que as queixas de dificuldades no acesso a consultas não se limitam àquela unidade. Também no Hospital Garcia de Orta, em Almada, tiveram uma denúncia de uma doente que está à espera há mais de um ano por consulta. Questionada sobre esta situação, a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo diz que “não há registo de consultas em atraso” nessa unidade.

A responsável da SPEM junta à lista uma situação de atraso na consulta reportada no Hospital de Évora há cerca de um mês mas que foi resolvida depois da intervenção da SPEM, diz. “São doentes que estão sem ser observados, sem fazer adaptação de medicação. E basta a pessoa pensar que está desacompanhada para haver um grau de sofrimento e ansiedade evitáveis”.

Outra entidade que representa estes doentes, a Associação Todos com a Esclerose Múltipla (TEM), relatou esta semana queixas de doentes, também no Santa Maria, que dizem que, em vez da medicação mensal, estão a receber comprimidos para uma semana. A TEM assegura que "cada vez existem mais hospitais que obrigam os doentes ou seus familiares a deslocarem-se às farmácias hospitalares mais do que uma vez por mês para levantar a sua medicação mensal e já existiram casos de pessoas que vão para casa sem qualquer medicamento. Para levantar a medicação a maioria das pessoas perde meio dia.”

O hospital, através do gabinete de imprensa, respondeu aos jornalistas que o acesso ao fármaco do caso de uma doente denunciado pela TEM, o Fingolimod, “esteve preventivamente condicionada, devido a termos atingido o valor mínimo de stocks”. Inicialmente a quantidade fornecida foi reduzida para 14 dias, passando para os sete dias durante alguns dias. O hospital refere que a doente voltou agora a poder levar a medicação para um mês.

Mas Manuela Duarte Neves dá o caso de uma situação no Hospital do Funchal em que “a doente entrou em surto por interrupção da medicação”, já receberam queixas de medicação dada a conta gotas no Hospital do Barlavento Algarvio e dos Capuchos, diz, situações que entretanto foram normalizadas, acrescenta. A secretária geral da SPEM diz que são casos que se vêm intensificando desde Janeiro. “Não há semana em que não se reporte uma situação. Quando as questões pontuais se repetem, deixam de ser pontuais”.

A secretária geral da SPEM diz que, a seguir ao cancro e ao VIH/sida, esta é a patologia com a medicação mais cara, pode chegar aos 1500 euros por mês por doente, mas diz que, mesmo pensando apenas em termos financeiros, não compensa ao Estado, porque os doentes sem acompanhamento podem ficar com situações de saúde agravadas e precisar de ainda mais apoio. “Quando as pessoas entram em crise podem ficar acamadas, ficar cegas.”

O gabinete de imprensa do Santa Maria explica que em dois anos, de 2012 para 2014, passaram de 64 para 85 doentes a ser tratados com aquele fármaco, “com um custo de aquisição de 955 mil euros para uma estimativa de 1,9 milhões de euros.”

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