Porquê votar?

Aproxima-se mais um momento de eleições, a pergunta “votar em quem?” vai tornar-se o centro de atracção da vida política. As várias declinações da pergunta saturam o espaço público: por meio das sondagens, da campanha eleitoral, do editorialismo, da opinião e do comentário. Sabemos que tal pergunta não consegue hoje revelar uma atitude de adesão, uma vez que o voto tem actualmente, de maneira maioritária, o significado de uma rejeição, de desaprovação dos que tinham sido eleitos antes, por decepção. No entanto, a pergunta que se impõe com mais urgência, aquela que nos remete para a necessidade de um pensamento que resgate o voto à pura mecânica de uma democracia vazia, não é “votar em quem?”, mas “porquê votar?”. A pergunta não tem nada de original e começou por ser a de todos os que não acreditavam no parlamentarismo. Mas, progressivamente, deixou de ser uma fórmula vinda do exterior, de uma linguagem política pertencente a outro “jogo”, não democrático (de certo modo, tinha ainda esse estatuto quando, em 1973, Sartre disse: “Élections, piège à cons”, ou seja, numa tradução rápida e insatisfatória, “eleições, armadilha para idiotas”), e adquiriu legitimidade e pertinência no interior do próprio regime que nos governa. É a pergunta que mais consequências retira da crise da legitimidade democrática. Em França, nas vésperas da eleição de François Hollande, ela foi feita, sob a forma de inquérito a um conjunto de escritores, ensaístas e intelectuais, pela revista Lignes. Podemos, com toda a propriedade, retirá-la desse contexto e colocá-la, aqui e agora, porque a “escolha sem escolha” com que estamos confrontados é da mesma ordem e o que nos resta é uma política que chegou ao fim. A prova mais evidente deste fim é o triunfo incontestável do argumento TINA, isto é, “there is no alternative”. Votar já não é escolher, mas consentir: nada poderá sair das urnas que não seja uma política das coisas. Chama-se “política das coisas” (segundo Jean-Claude Milner) à política que já nada decide e apenas admite, implicitamente, que tudo passou a ser inevitável. O que os governantes propõem aos governados está inscrito na ordem das coisas e estas decidem em lugar dos homens. Daí a ideia de que as coisas falam e dão ordens. “Votar em quem?” significa, hoje, prosseguir a política finita da força das coisas e não serve senão um regime que ganhou a forma de uma metástase do comércio, da publicidade e da comunicação instrumental. Faz parte da linguagem hegemónica dos governantes falar ao povo (enquanto conceito necessário da legitimidade democrática) como se este fosse uma turma de crianças ou uma massa de atrasados mentais. Daí, o facto de essa linguagem ser olhada como uma coisa grosseira, uma vulgaridade de criaturas desvitalizadas ao serviço da “força das coisas”. “Porquê votar?”, que foi em tempos uma marca de apatia e de demissão que deixa o campo aberto aos outros, pode agora tornar-se, nestas condições, uma tentativa de repolitizar, de reconquistar o espaço político. Só a boa consciência democrática, completamente inócua, pode hoje negar que é assediada por um recalcado. Perguntar “porquê votar?” não significa entrar na lógica do abstencionismo, tal como ele é entendido nas democracias representativas. Como acto de pensamento sobre a actual falta de legitimidade da democracia, pensar o que se anuncia na pergunta “porquê votar?” corresponde a uma fórmula do tipo da de Bartleby, essa personagem criada por Melville e que respondia desta maneira às ordens do seu patrão: “I would prefer not to”. 

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