Adolfo, por um lugar à sombra

Crime de “faca e alguidar” português, expressionismo alemão, horas e horas de tutoriais online. Após adiar a universidade para descobrir a animação, o realizador freelancer João Carrilho apresenta a curta-metragem "Adolfo" à sua primeira plateia infantil – a do IndieLisboa

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No início, foi uma notícia da atualidade beirã: um homem que sodomizava galinhas e ovelhas e que foi assassinado por causa disso. O professor de animação convidou os alunos de Artes Visuais da Universidade de Évora a conceber uma curta-metragem inspirada num acontecimento regional. E aquela foi a estória que levou João Carrilho a esboçar “Adolfo, o Rapaz Galinha”, em 2012. “Mas sem a parte da zoofilia!”, ressalva o realizador de 25 anos. Dois anos depois, agora apenas como “Adolfo”, a animação integra a seleção do IndieJúnior – que comemora dez anos de existência nesta 11.ª edição do festival IndieLisboa.

Misturando técnicas de animação 2D e 3D com “stop motion”, é-nos contada a estória de Adolfo, um rapaz misantrópico que sonha dominar o planeta e deixar de ser alvo de chacota dos outros miúdos. O humor negro das experiências que faz na sua cave (como ter implantado o cérebro do seu cão no corpo de uma galinha) é narrado na voz de Carlos Nobre (Pacman, dos extintos DaWeasel), enquanto a atriz Joana Pais de Brito faz os gemidos e grunhidos de ‘Maria Cabrita’, “a rapariga mais feia da vila” e cobaia apaixonada do protagonista. Evocando “Vincent”, a curta que revelou Tim Burton ao mundo da animação, o realizador admite que também o cinema expressionista alemão é uma das fontes onde bebe para “jogar com a obscuridade” e dar ao lápis. Ou será antes à caneta digital?

A vida de freelancer dá um filme?

Da grafite aos pixéis, o projeto voou do ninho da Universidade de Évora para ser incubado na Academia RTP (Porto), que produziu a versão final. Durante a jornada, que durou um ano, a autodidática e o "software" desviaram as aulas e os livros para segundo plano: “Abandonei disciplinas nesse semestre, só para me dedicar à curta. Os meus pais criticaram-me. Quando voltei à faculdade, para acabar as disciplinas, surgiu a hipótese de ingressar na Academia RTP. A candidatura foi aceite no segundo semestre e foi lá que decidi o que queria fazer profissionalmente”. Valeu a pena? “Só assim é que a curta pôde ser realizada. E só assim é que os meus pais valorizaram a minha escolha.” João reconhece que foi importante, nos dois sítios, cercar-se de uma equipa da sua confiança: “Uma das colegas esteve comigo em Évora e no Porto. Escolhi aquelas pessoas, porque sabia que tinham ganas de fazer uma coisa com qualidade.”

O reencontro com Évora está agendado para breve, mas, para já, João está apostado em vender o seu trabalho em Lisboa e “ganhar autonomia financeira”, como tem feito nos últimos meses. Enquanto vai “explorando o 2D” rumo à profissão de realizador, dedica-se a trabalhos de ilustração e "branding", entre outros serviços de artes gráficas. “O meu dia-a-dia é uma ‘seca’, tenho o escritório no quarto. Mas ser ‘freelancer’ também me dá tempo para investir em projetos pessoais. Eu não procuro só dinheiro”. Em suma: “posso dizer que tenho sorte”.

“Adolfo” será exibido na próxima segunda-feira, dia 28, no Grande Auditório da Culturgest, e desafia João Carrilho a agradar um público que é – nos dois sentidos da palavra – novo. “Costuma-se dizer que as crianças não conseguem mentir. Vai ser a primeira vez que vou sentir essa reação na sala de cinema”.

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