Precisamos de elites que não se desviem da vontade geral

Dificilmente a democracia num estado-nação moderno pode ser exercida directamente. Como tal, a existência de elites vai hoje a par da própria democracia

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Filippo Minelli/Flickr

Qual o papel das elites em democracia? Como garantir a sua legitimidade? Será a existência de elites necessária, e se sim, será a mesma nociva ou benéfica para a democracia?

Esta discussão não é nova e atravessa, aliás, todo o espectro da Filosofia e da Ciência Política até à actualidade. Desde cedo se afirmaram duas correntes de pensamento na teoria das elites: por um lado, uma linha clássica que afirmava a inevitabilidade da sua existência e a sua flagrante incompatibilidade com a democracia, devido à capacidade das mesmas em “viciar o jogo” e contornar os mecanismos de responsabilização existentes; por outro, a chamada linha pluralista, que encarava as elites como reflexo das tendências de diferenciação e democratização da própria sociedade, e por isso compatíveis com a democracia.

Não podemos questionar a existência de elites: desde a pré-história que as dinâmicas de associação e mobilização de grupos favorecem a existência de líderes capazes de promover a motivação, organização e representação das vozes que emanam da sociedade. Menos sentido faz ainda pôr a sua existência em questão num quadro democrático, pois dificilmente a democracia num estado-nação moderno pode ser exercida directamente. Como tal, a existência de elites vai hoje a par da própria democracia.

O essencial é garantir que estas elites não se desviem da vontade geral, ao exercerem o poder em nome de critérios de eficiência altamente discutíveis, em detrimento de concepções normativas intrínsecas à democracia, fazendo extinguir o exercício dos direitos democráticos de um povo no momento eleitoral. Assim, é fundamental tomar-se dois tipos de acção no caso português.

Responsabilização e esclarecimento

Em primeiro lugar, a construção de mecanismos de responsabilização que, em termos processuais permitam um melhor escrutínio do exercício do poder, como seja a instituição de eleições "mid-term" (à semelhança dos EUA), renovando-se a composição parlamentar a meio dos mandatos de modo a constranger a acção das maiorias, ou facilitar a demissão de iniciativa popular do governo em circunstâncias excepcionais, através de uma "recall election" ("recall referendum").

Em segundo lugar, a estruturação de mecanismos para o esclarecimento da população em matérias de direito, economia, finanças, “terminologia política” e outras assuntos de relevo de modo a poder formar cidadãos conscientes e capazes de deliberar colectivamente, os quais possam eventualmente produzir legislação de forma participativa.

As elites políticas devem ser responsabilizadas não apenas quando “agem mal”, mas mais objectivamente quando contrariam de forma indiscutível o curso de acção que prometeram seguir e pelo qual foram eleitos. Caso contrário, até mesmo o mais básico direito democrático – o direito ao sufrágio – perde todo o sentido, e não serve para mais do que decidir qual dos “peixes grandes” ganhará a disputa. Falamos de uma democracia que valorize a participação e a deliberação e não apenas a escolha, já que democracia é fundamentalmente o direito de uma comunidade política decidir o seu destino e os valores pelos quais se quer reger – é um sistema de delegação que jamais devemos permitir que se transforme num sistema de alienação.

O texto não vincula o NOVA Debate, expressando exclusivamente a opinião do autor.

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