Por todo o país se contesta o encerramento de repartições de Finanças

Autarcas acusam Governo de condenar o interior a um cada vez maior isolamento.

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Os serviços das Finanças já advertiram os trabalhadores do risco de terem maiores penalizações se pedirem reformas a partir de meados do mês Laura Haanpaa (arquivo)

Após o Governo se ter comprometido a encerrar metade das repartições de finanças até ao final de Maio, um pouco por todo o país surgem reacções sobre esta decisão. Os afectados contestam a eventual decisão do Governo, afirmando que se trata, mais uma vez, de uma desvalorização do interior do país.

A decisão, presente no memorando de políticas económicas e financeiras que acompanha o relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre a 11ª avaliação ao Programa de Ajustamento Económico e Financeiro (PAEF) prevê “estabelecer até ao final de 2014 um departamento dedicado aos serviços do contribuinte", para "unificar a maioria dos serviços" e "melhorar a relação [dos contribuintes] com a administração" fiscal. No entanto, a deliberação do Governo tem sido contestada um pouco por todo o país.

No Norte, o presidente da distrital de Bragança no PSD, José Silvano afirmou que será “frontalmente contra” a decisão do Governo no encerramento de serviços públicos como as Finanças nesta região, se não houver uma negociação com os municípios e se os mesmos não concordarem.

Quando foi conhecida, em Outubro, a lista apontada pelo Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos, o dirigente social-democrata manifestou-se contra qualquer encerramento de postos de Finanças no Nordeste Transmontano e prometeu que o demonstrará "publicamente" se o Governo avançar com a extinção de serviços. De acordo com o mapa conhecido na ocasião, o distrito de Bragança perdia nove das atuais doze repartições, ficando com os serviços tributários apenas na capital de distrito, Bragança, em Mirandela e em Vila Flor.

Também o presidente da Federação Distrital de Bragança no PS, Jorge Gomes se manifestou e acusa o Governo de esconder o mapa das repartições de finanças que vão encerrar no país até depois das eleições europeias de Maio. "O Governo não tem coragem de pôr cá fora o mapa sem deixar passar o acto eleitoral", afirmou o dirigente socialista, acusando os partidos da coligação (PSD e CDS-PP) de estarem a "deixar passar o processo eleitoral para não terem prejuízos eleitorais com isso".

O dirigente socialista entende que o encerramento de serviços "é uma forma de abandonar a região" e acusa o Governo de "não ter a mínima preocupação com toda a orla que pega com Espanha".

Jorge Gomes manifestou ainda desconfiança relativamente à possibilidade de as finanças e outros serviços públicos virem a ser concentradas nos novos gabinetes de atendimento de proximidade ao cidadão. "Se os serviços fossem concentrados para melhorar o serviço ao cidadão, estávamos de acordo, mas este Governo age sempre só por razões economicistas ou para despedimento de mais funcionários públicos", declarou.

Também o presidente da câmara de Paredes de Coura, Vítor Pereira se manifestou à Lusa sobre a atitude do Governo e lembrou que a população do concelho “também é Portugal”. O concelho do interior do distrito de Viana do Castelo é um dos cinco da região que, segundo a lista divulgada em 2013 poderão perder as respectivas repartições das finanças.

O autarca afirma que ninguém falou com a câmara de Paredes de Coura e que são medidas tomadas para “agradar à troika e não por racionalidade económica”.

O possível encerramento destes serviços na região já foi levado à Assembleia da República no final de 2013 pelo socialista Jorge Fão. O deputado eleito por Viana do Castelo pediu ao Ministério das Finanças para clarificar se pretende encerrar repartições de Finanças em metade dos concelhos do distrito.

O presidente da Câmara de Valongo, José Manuel Ribeiro considerou que o Governo PSD/CDS-PP está a agir de forma "autista". "Esta decisão vai prejudicar muito a população de Valongo. Mexer com uma repartição de finanças é um acto que lança muita confusão junto das empresas e famílias. Isto não pode ser feito assim. Este Governo age de forma autista. Tem de haver respeito pelas populações e pelos representantes das populações", acusou o autarca socialista. 

"Extinção dos municípios"
No concelho de Vila Real, o presidente da câmara de Mondim de Basto, de Murça, de Montalegre e de Boticas também tomaram uma posição. O presidente de Mondim, Humberto Cerqueira afirmou que o Governo “está a desqualificar” os concelhos com o encerramento de serviços públicos com vista à “extinção” dos municípios.

O autarca socialista considerou que o que está a acontecer "não é próprio de uma democracia com 40 anos" e que o pretendido não é “qualificar as autarquias”, mas sim "retirar-lhes competências, para depois ter um pretexto para extinguir os municípios".

A repartição de Mondim de Basto é uma das dez que, de acordo com a lista, poderá encerrar as portas. "O Governo com esta postura absolutamente conservadora de extrema-direita está a levar à ruína e a virar as costas a uma boa parte do território português. É uma atitude absolutamente de ditadura, em que estão a espezinhar as populações do interior do país", afirmou Humberto Cerqueira à Lusa.

Em Murça, o presidente José Maria Costa manifestou a sua insatisfação, afirmando que a desvalorização do interior do país é mais uma vez remarcada com esta medida. O autarca salientou à Lusa que “os municípios do interior começam a sentir-se órfãos da nacionalidade portuguesa” e que o encerramento dos serviços significa uma “perda enorme” porque os cidadãos, apesar de serem poucos, continuam a ter necessidade destes serviços.

O presidente referiu que a autarquia de Murça, conjuntamente com a Comunidade Intermunicipal do Douro (CIM Douro), vai interpor uma "providência cautelar por acção popular" contra o fecho do tribunal e prometeu também luta contra o encerramento das finanças.

Em Montalegre o presidente Orlando Alves mostrou-se disposto a pagar para manter a repartição de finanças uma vez que considerou ser uma “tremenda necessidade” para o território de 800 quilómetros quadrados. Tal como José Maria Costa, presidente de Murça, o autarca salientou a “enorme discriminação entre o interior e litoral”.

Em declarações à Lusa Orlando Alves frisou que o Governo continua “cego e surdo” às necessidades da população do mundo rural e que “corta a sangue frio os poucos serviços” existentes.

O autarca lembrou que no concelho de Montalegre, com 10.000 habitantes e uma extensão de 800 quilómetros quadrados, não existem transportes públicos, obrigando a população a ter custos acrescidos com táxis ou viaturas próprias. Apesar de ter enviado uma carta no passado mês de Novembro à ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque a pedir a manutenção do serviço e a assumir o custo “total” do seu funcionamento, não obteve qualquer resposta.

Em Boticas o presidente da câmara, Fernando Queiroga, garantiu à Lusa que o concelho “jamais” perderá o serviço das finanças e que o Governo tem “sensibilidade” para não encerrar serviços “por encerrar”.

Ainda a Norte, os presidentes das câmaras de Cabeceiras de Basto e de Vizela reafirmaram a “total oposição” à eventual decisão do Governo no encerramento das repartições das Finanças. China Pereira, de Cabeceiras de Basto e Dinis Costa, de Vizela garantiram à Lusa não ter qualquer conhecimento oficial da intenção de fecho e a única referência que têm é a lista publicada pelo Diário de Notícias no ano passado.

Terras de Bouro e Vieira do Minho foram outros dos concelhos referenciados, mas os respectivos presidentes de Câmara, Joaquim Cracel e António Barbosa, garantiram hoje à Lusa que também não têm "qualquer conhecimento" sobre a alegada intenção governamental.

Contestação estende-se ao Centro...

Já na região Centro do país, no concelho de Castelo-Branco os presidentes de Idanha-a-Nova, Vila Velha de Ródão e Belmonte contestaram a possibilidade do encerramento das respectivas repartições de Finanças.

O presidente da Câmara de Idanha-a-Nova, Armindo Jacinto afirmou a disponibilidade de assumir todos os encargos com o serviço público que funciona em instalações arrendadas à autarquia. "O Estado não fala com os municípios sobre estes assuntos. Só é possível contribuir para o desenvolvimento do país mantendo estes serviços nos territórios de baixa densidade. A manter e a concentrar tudo no litoral, o Estado está a empobrecer o país", disse o autarca.

Também Luís Pereira, presidente de Vila Velha de Ródão mostrou disponibilidade para assumir os encargos da repartição das Finanças, uma vez que o encerramento “irá causar prejuízos enormes”. O autarca sublinhou que se está a mexer com serviços essenciais para o interior do país e pediu ao Governo para que, no mínimo, "tenha decoro, porque esta é uma situação inaceitável".

O presidente da câmara de Belmonte, António Dias Rocha, vai mais além e classificou o eventual encerramento das finanças como "irresponsável" e "quase criminoso" e garantiu que o município oferecerá as instalações para acolher aquele serviço e evitar que encerre.

Para o líder socialista no distrito de Coimbra Pedro Coimbra, o encerramento de repartições de Finanças "em nada contribui para a recuperação económica e financeira do país", para além de ter pouca influência no "equilíbrio das contas públicas". De acordo com Pedro Coimbra “acentua declives e desigualdades” entre o litoral e o interior. 

...e ao Sul

Já na região Sul, no Algarve, os autarcas de Vila do Bispo e São Brás de Alportel criticaram a intenção do Governo e Adelino Soares, presidente de Vila do Bispo considerou “uma vergonha e uma falta de respeito pelos autarcas, o Governo tomar posições sem que os autarcas sejam ouvidos”. Para o autarca socialista, o eventual encerramento da repartição de Finanças de Vila do Bispo "é um retrocesso", que só serve para que as populações dos concelhos mais desfavorecidos fiquem com a vida ainda mais dificultada.

O presidente de São Brás de Alportel Vítor Guerreiro à Lusa que já estava com "esperança" de que os encerramentos de repartições de finanças não avançassem e criticou a "falta de consideração" do Governo, que desde Outubro não responde aos pedidos de esclarecimentos enviados. O autarca adianta que quando se "assinalam 40 anos do 25 de Abril, o Governo desfere mais um golpe no poder local democrático, que foi uma das conquistas da revolução" e "tem cada vez mais competências e menos recursos para fazer dar respostas às populações".

De acordo com o memorando de políticas económicas e financeiras que acompanha o relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre a 11.ª avaliação ao Programa de Ajustamento Económico e Financeiro (PAEF), o executivo escreve que pretende "estabelecer até ao final de 2014 um departamento dedicado aos serviços do contribuinte", para "unificar a maioria dos serviços" e "melhorar a relação [dos contribuintes] com a administração" fiscal.

 

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