As aventuras e desventuras dos portugueses em Schwäbisch Hall

Vítor Malhão ia do centro de emprego ao hotel para usar o tradutor automático da Internet e se fazer entender. Já Pedro Santos acabou seleccionado para uma empresa e é o típico imigrante qualificado que a Alemanha procura. A cidade oferece empregos, mas para quem tem qualificações específicas, ou para quem fala alemão.

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Centro de emprego em Berlim Nelson Garrido
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Pedro Moura Santos Nelson Garrido

Em Schwäbisch Hall quase toda a gente se lembra do caso “dos portugueses”. Sim, dos portugueses que ouviram falar da oferta de empregos na cidade e desataram a mandar currículos, deitando abaixo o sistema informático da câmara da cidade, obrigando departamentos de recursos humanos a trabalhar horas extraordinárias, e aparecendo mesmo de malas na mão para se candidatarem a um posto de trabalho, trazendo um pouco de caos a esta calma cidade do estado de Baden-Würtemberg, no Sul da Alemanha.

Foram 15 mil emails em dois meses. Entre 60 e 70 portugueses vieram bater à porta directamente do centro de emprego. Os folhetos preparados para dar as boas-vindas aos portugueses — “bom dia em Schwäbisch Hall” — foram rapidamente substituídos por uma carta dizendo aos interessados que se não sabiam falar alemão era melhor irem embora.

Foi há dois anos, mas sempre que se fala no caso, alguém pede: “Por favor ,se for escrever sobre isso, diga que têm de falar alemão”, seja o assessor da câmara, que nos recebe na elegante sala onde normalmente se fazem os casamentos, seja um imigrante espanhol que veio para a cidade nos anos 1960 e a sua mulher alemã, na sala onde uma Nossa Senhora de Fátima testemunha o agradecimento das dezenas de portugueses que ajudaram.

Hoje não restam muitos destes portugueses na cidade. O que aconteceu foi uma acção de relações públicas que correu demasiado bem. Depois de convidarem jornalistas para uma visita de promoção para conseguir trabalhadores estrangeiros para as empresas da região, um artigo num jornal português retratava uma cidade bonita, acolhedora, que oferecia trabalho com salários altos. Uma televisão pegou na reportagem e decretou: Schwäbisch Hall era “a cidade onde os empregos correm atrás das pessoas”.

Ninguém estava preparado para o que se seguiu. “Recebemos as candidaturas mais incríveis, até de médicos, para a nossa empresa”, conta Rainer Grill, assessor da Ziehl-Abegg, empresa de sistemas de ventilação, em Künzelsau, uma cidade ao lado. “O nosso departamento de recursos humanos fez horas extraordinárias para responder a todos, tivemos de traduzir vários currículos”, conta.

empresa fez questão de responder a cada uma das pessoas que enviaram candidaturas — “O que aconteceria se entretanto, mais tarde, quiséssemos contratar uma destas pessoas e na altura nem lhe tivéssemos respondido?”, pergunta Grill, de sorriso pronto. Após analisar milhares de candidaturas, a Ziehl-Abegg ficou com dois candidatos.

“Se compensa face ao trabalho que tivemos de selecção, tradução dos currículos, etc.? Há quem pense que não”, diz Grill. Mas o responsável diz que a empresa não pode estar mais contente com os novos trabalhadores, e que a ideia não é que estejam por lá a curto prazo. “Só começam a ser completamente integrados após uns dois anos. Não nos interessa ter alguém que fique pouco tempo e regresse ao seu país.”

O engenheiro mecânico Pedro Moura dos Santos, 30 anos, começou por se candidatar ao centro de emprego da cidade e recebeu uma carta a recusá-lo por não saber falar alemão. Mas conhecia já a Ziehl-Abegg, e enviou directamente o currículo. “Sempre quis ter uma experiência internacional”, diz. Foi seleccionado por ter experiência numa área que interessava à empresa, e depois da entrevista, “pensou dois ou três dias” e aceitou. Chegou com a mulher, engenheira civil, e gosta do ambiente de trabalho, dos horários e da cidade. A língua é algo em que continua a trabalhar, duas vezes por semana, com aulas disponibilizadas pela empresa. Não tem planos para sair daqui nos próximos anos.

Pedro Moura dos Santos é o retrato do imigrante que a Alemanha quer (jovem, altamente qualificado, sem planos de ir embora a curto prazo), e até apareceu numa capa da revista Spiegel sobre imigração dos países em crise para a Alemanha.

Mas nem todos os portugueses que chegaram a Schwäbisch Hall tinham qualificações. Mais, nem todos enviaram o currículo. Alguns, como Vítor Malhão, 42 anos, compraram um bilhete de avião, fizeram a mala, e vieram. A sua sorte, conta agora Vítor, foi ter-se cruzado com pessoas que o ajudaram, e ter um bilhete com data de volta duas semanas depois. “Senão, tinha voltado a Portugal no dia a seguir.”

Do centro de emprego disseram-lhe logo que se não falava alemão não haveria nada para ele. Fazer-se entender era uma luta diária: às vezes tinha de ir ao hotel, à Internet, pôr a frase que queria dizer num tradutor automático, escrevia-a num papel, e voltava. Nem sempre corria bem.

Vítor Malhão acabou por conseguir um emprego na empresa de logística Schmitt. Tudo foi tão difícil que garante: “Não voltaria a fazê-lo.” Mas agora que cá está, pensa ficar até se reformar. Em Portugal trabalhava numa loja de conveniência mas tinha a sensação de que findo aquele contrato temporário não viria mais nenhum. “Em Portugal, aos 40 anos uma pessoa é velha de mais para trabalhar. Aqui é diferente: se uma pessoa é válida, tem trabalho. A idade não é relevante.”

Entre os anjos da guarda de Vítor estão Manuel Duarte Santos, um espanhol que imigrou para a Alemanha nos anos 1960, e a sua mulher, Renate. Os dois deram apoio a muitos portugueses: ajudaram com casa, mobília, tradução, transporte, contam, numa algaraviada entre espanhol, alemão com pronúncia espanhola, e alemão, as complicações das idas-e-vindas, arranja-casa-arranja-emprego coloridas pela animação da conversa.

Esta é uma imigração muito diferente da que existiu quando Manuel cá chegou vindo da sua Galiza natal, nota Renate: “Antes vinham pessoas muito pobres. Agora são pessoas que tinham algo, mas que o perderam.”

O assessor do presidente da câmara da cidade, Robert Gruner, conta que a câmara tinha já feito acções de promoção de emprego, até no Leste da Alemanha, onde há mais desemprego. Nunca houve grande interesse dentro do país, daí terem começado a pensar em tentar outros países como Portugal, Grécia, Espanha, Itália, onde poderia haver mais trabalhadores interessados. Nada tinha preparado a cidade para esta avalanche. Quando, algum tempo depois, a televisão italiana fez uma notícia sobre os portugueses na cidade, vieram algumas candidaturas de Itália — “60, 70”, diz. Nada comparado com 15 mil.

Ainda há vagas por preencher na cidade, reconhece Gruner. Mas não vai voltar a haver uma campanha como esta. “Quando escrever o artigo, por favor refira que é preciso falar alemão”, pede. “Mesmo para trabalhar num café, tem de saber falar um nível razoável.”

Da câmara da cidade, demora-se uns dois minutos para o local privilegiado para aprender alemão, o Goethe Institut. Leonor Vila Lobos, 26 anos, é uma das alunas. É portuguesa, no entanto, não escolheu Schwäbisch Hall por ser a cidade do emprego. “Para já ainda não estou muito stressada com arranjar um trabalho”, diz, de um modo um pouco desconcertante.

Apaixonada pela língua alemã, decidiu voltar a ter aulas depois de ter acabado o curso de Engenharia Geográfica e ter mandado dezenas de currículos em Portugal sem resultados (recebeu apenas uma resposta). Enquanto almoçamos na cantina do instituto, Leonor faz um ar meio comprometido à pergunta “Porquê Schwäbisch Hall?”. Acaba por contar que em Düsseldorf, onde tinha feito alguns meses antes um curso de alemão, tinha “achado piada” a um rapaz que seguiu para Estugarda. “Fui ver no mapa qual era o Goethe Institut mais perto de Estugarda — e era este.” Só mais tarde é que se apercebeu de que era a mesma cidade das notícias por causa da oferta de empregos aos portugueses.

Leonor Vila Lobos ainda vai voltar a Portugal para uma pausa antes de regressar à Alemanha para um novo curso, desta vez em Friburgo, (“O segundo Goethe Institut na vizinhança de Estugarda”, descreve a rir). “Quando decidi fazer isto não tinha mesmo em mente trabalhar na Alemanha”, garante.

“Mas começo a pensar que se calhar é a melhor opção, porque em Portugal está impossível. Quando comecei o curso, há cinco anos, havia emprego. Agora, as empresas fecharam, e já não há nada.”

O PÚBLICO está a participar no programa de intercâmbio Close-Up, do Goethe Institut. Mais informação em: goethe.de

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