Cantinas universitárias servem menos um milhão de refeições

Em quatro anos houve uma quebra de um milhão e 200 mil refeições servidas nas cantinas do ensino superior público. Os estudantes “preocupam-se em trazer comida de casa”, diz o administrador dos serviços de acção social de uma das instituições.

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A quebra de procura nas cantinas das universidades e politécnicos acontece transversalmente em praticamente todas as instituições Nélson Garrido

As dificuldades financeiras das famílias obrigaram muitos estudantes do ensino superior a terem cuidados redobrados na altura de fazerem as refeições e nem as cantinas universitárias ficaram a salvo dessa dinâmica. Entre 2010 e o final de 2013, houve uma redução de mais de um milhão de refeições servidas nas instituições públicas. Foram substituídas por almoços e jantares trazidos de casa e aquecidos em micro-ondas — objecto cada vez mais presente nas faculdades. As ofertas alternativas nos snack-bares e cafetarias e horários de almoço mais curtos também ajudam a explicar esta variação.

Em 20 das 28 universidades e institutos politécnicos do país serviram-se, em 2010, mais de 5 milhões de refeições (cerca de 5.143.000), mostram os dados recolhidos pelo PÚBLICO. Esse valor passou no ano passado para menos de 4 milhões (3.945.000).

Actualmente (dados actualizados até Março deste ano), a média mensal de refeições servidas ronda as 480 mil, contra 618 mil em 2010 — uma média que tem em conta que durante o mês de Agosto as cantinas fecham e que algumas encerram também em alguns períodos de pausa lectiva, como a Páscoa. Isto representa uma quebra de 22%.

Neste período, o preço das refeições (tipicamente entre 2 e 4 euros) não sofreu alterações na maioria das cantinas do ensino superior. E, apesar da diminuição nas entradas no concurso nacional de acesso, o número total de alunos inscritos no ensino público até cresceu (293 mil, em 2010, para 303 mil, em 2013, de acordo com o portal Pordata).

A directora dos Serviços de Acção Social (SAS) da Universidade de Aveiro — onde o número médio de refeições caiu 11% —, Anabela Oliveira, atribui esta variação ao “contexto sócio-económico das famílias”. Com menos dinheiro, os estudantes acabam por tentar optar por soluções mais baratas, muitas vezes trazidas de casa.

Foi isso também que reparou o administrador dos SAS da Universidade do Minho (UM), Carlos Silva: “Com a crise que está instalada, o estudante sempre que pode vai a casa almoçar.” E mesmo os estudantes que são de fora da região e estão alojados nas residências universitárias “preocupam-se em trazer comida de casa” sempre que regressam dos fins-de-semana.

Coimbra com menos 60 mil refeições/mês
“Na envolvente da universidade não existem ofertas mais baixas do que os preços praticados” nas cantinas da instituição, garante também o administrador dos SAS minhotos. Nos últimos dois anos, as cantinas da UM registaram uma quebra de 6% ao ano na procura de refeições. Por exemplo, em Janeiro deste ano serviram-se menos 3160 refeições em relação ao período homólogo de 2013 e menos 8855 face a 2012.

Delminda Lopes, vice-presidente do Instituto Politécnico do Porto (IPP) — onde a redução da procura se cifra nos 18% — defende que o facto de haver mais ou menos alunos deslocados das suas famílias de origem também tem impacto na procura das refeições. Anabela Oliveira, da Universidade de Aveiro, acrescenta outro motivo académico, o cada vez mais reduzido tempo para o período de almoço dos alunos em contexto de Bolonha, que acaba por desviá-los para serviços rápidos como os bares.

No caso do IPP, essa pode ser uma justificação, reconhece Delminda Lopes, já que a quebra de procura tem sido inferior — menos 3% de “clientes” nos bares e cafetarias contra uma redução de 18% nas cantinas. Mas nos bares do Minho “não se registou crescimento da procura nos últimos anos”, afirma Carlos Silva.

A quebra de procura nas cantinas das universidades e politécnicos acontece transversalmente em praticamente todas as instituições. Os números mais altos registam-se nas Universidade de Coimbra (menos 60 mil refeições por mês, 41%), seguindo-se a Universidade de Lisboa (quebra de 18 mil, 22%) e o Politécnico de Leiria (redução de 13 mil, 30%). Os únicos dois exemplos em que há um crescimento do número de “clientes” nas cantinas do ensino superior são o Politécnico de Coimbra (mais 938 refeições mensais em média, um crescimento de 50%) e o Instituto Politécnico de Viana do Castelo (IPVC), que serve mais 1293 pessoas por mês.

Nesta última instituição, a média mensal fixa-se hoje em 10.465 refeições, mas espera-se atingir os 12.500 serviços mensais até ao final do ano. Esta evolução deve-se a “profundas alterações realizadas no modelo de funcionamento dos serviços de alimentação”, afirma o administrador dos SAS do IPVC, Diogo Moreira.

“Chegamos à conclusão que o modelo de funcionamento das cantinas e bares estava desajustado às necessidades dos alunos de hoje e decidimos alterar radicalmente o conceito dos serviços de alimentação, passando estar centrados na importância de proporcionar uma experiência ao aluno que vai para além da própria refeição”, justifica. A instituição está a acabar com os tradicionais espaços dos refeitórios, convertendo-os em áreas sociais onde “também” se pode comer e que passam a estar acessíveis aos estudantes a qualquer hora do dia.

O IPVC também investiu no design de interiores dos espaços de alimentação, “afastando a imagem das cantinas ‘tradicionais’ cinzentas”, ilustra Diogo Moreira. Outra alteração foi feita na relação com os próprios trabalhadores das cantinas da instituições, com um reforço da formação e uma melhoria das condições de trabalho, integrando, por exemplo, duas horas de ginástica laboral semanais no horário de trabalho.

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