O Benfica sobre carris

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Fernando Veludo/NFactos

Ir ao futebol de comboio tornou-se moda para milhares benfiquistas, desde que o clube e a CP se entenderam para montar uma oferta de “comboios especiais” que trazem os adeptos de vários pontos do país directamente para a estação de Benfica. O PÚBLICO acompanhou neste domingo, entre Braga e Benfica, um destes comboios fretados, cujos passageiros descobriram na própria viagem uma antecipação e um prolongamento da própria festa do estádio.

“É mais confortável, é mais barato e não é tão cansativo. Isto de comboio é muito melhor. Olhe eu autocarro nunca mais. E na quarta-feira venho outra vez”. Helder Matos, 34 anos, embarcou em Vila Nova Gaia e bebe umas cervejas com dois amigos que vieram também de Gaia e outro de Espinho. Os três alinham no mesmo discurso: “isto é muito melhor porque a malta pode andar e conviver, sempre vai ao bar e à casa de banho. E chegada aquela hora de partir, é certinho. Se fosse de autocarro anda tínhamos que estar à espera dos que faltam”.

São 11h45 e o comboio do Benfica, que saiu de Braga às 9h04, acaba de arrancar da estação de Pombal, onde deixou passageiros em terra porque já vai lotado. Nada de grave. Atrás desta composição, formada por uma locomotiva e seis carruagens, segue um comboio de desdobramento que vai recolhendo quem já não cabe neste.

Atravessa-se a composição de ponta a ponta e, se é certo que há grupos ruidosos que vão antecipando a festa de logo à noite, há carruagens onde a única coisa que as distingue das de um vulgar Intercidades são os passageiros vestidos de vermelho. Grupos de amigos, casais de todas as idades, famílias inteiras, vão sentadas a conversar calmamente, a dormitar, a ler jornais, a brincar com tablets, telemóveis ou portáteis.

O revisor do comboio vai controlando os bilhetes com a ajuda de um colega, também revisor, mas que hoje viaja como passageiro, “com bilhete pago à Casa do Benfica”, como faz questão de explicar. Rui Moreira, que já várias vezes fez esta viagem com a farda vestida, em serviço, diz que nunca houve problemas e que as viagens de comboio estão a recuperar o velho hábito de as famílias virem à bola como o faziam antigamente. Uma opinião corroborada por vários passageiros com quem o PÚBLICO falou e que sublinham que “isto não é um comboio das claques”.

José Rocha, 38 anos, vem de Campanhã. Viaja sozinho, mas leva crianças ao colo, brinca, bebe umas cervejas e anima um pequeno grupo de amigos, habitués desta viagem. “Isto é mais confortável e é melhor do que as camionetas. Já é a quinta vez que venho. Isto é como uma família!”.

A viagem do Porto a Benfica ida e volta, com direito a transfer em autocarro para o Estádio da Luz, custa-lhe 15 euros. Um Intercidades normal entre Campanhã e Santa Apolónia custa 35,90 euros. Os bilhetes são exclusivamente vendidos pelas Casas do Benfica e têm preços distintos para o público geral, para os sócios da Casa do Benfica ou os do próprio clube e – os mais baratos – para os sócios de ambos.

Miguel Nunes, 40 anos, vem de Ermesinde e pagou 17,50 euros. É a primeira vez que vem à bola de comboio e deixou-se seduzir pelo preço. “O preço é o factor aliciante e tem a vantagem de ter o autocarro para o estádio da Luz”, diz. Mas tem uma queixa: “É um bocado cedo de mais porque chegamos à uma e tal e o jogo é só às seis. É como as excursões [de autocarro] em que eu deixei de ir porque demoravam o dia inteiro”.

Mas também há quem se queixe da hora de regresso porque às 22h00 a festa vai estar no auge e vão ter que apanhar o comboio. “Devia ser lá para as 2h00 ou 3h00 da manhã”, diz Rui Lopes, de Vila Nova de Gaia.

Jorge Jacinto, director das Casas do Benfica e o principal interlocutor destes comboios especiais junto da CP, diz que este horário está bem “porque assim ainda chegam a tempo de festejar nas rotundas das suas terras”. Além de que amanhã é dia de trabalho e há quem queira chegar cedo a casa.

O bar deste Intercidades vai animado. Abrem-se farnéis, comem-se rissóis, croquetes, frango assado, abrem-se geleiras com cerveja e vinho. Rosa Vieira, a funcionária do bar, diz que neste tipo de comboios não parece mal que os clientes se refastelem com a sua própria comida nas mesas da carruagem-bar. De resto, não faltam pedidos de sandes e cervejas, sendo que o bar chega sempre esgotado ao destino. “Aqui só não sobra a água”, grita um adepto mais excitado.

Rosa Vieira mostra um vídeo no seu telemóvel onde se vê um grupo a cantar e a saltar numa viagem anterior. “Isto é sempre assim, mas há um grupo muito animado que costuma entrar na Curia e hoje veio no comboio que vem atrás deste”.

No Entroncamento a paragem é breve. Agora o comboio especial número 21520 já vai lançado pela lezíria e avista-se ao longe os contrafortes de Santarém em cuja estação passa, mas não pára.

Gonçalo Amorim, 25 anos, veio no seu carro de Viana do Castelo para Nine, onde apanhou o comboio às 9h15. “É uma excelente forma de viajar porque sente-se mais este espírito de camaradagem. O Benfica é muito isto, o convívio entre os adeptos e o comboio tem as condições ideais para isso”.

De certa forma, a composição cumpre um percurso unificador: parte de Braga, mas vai recolhendo gente de cachecóis e camisolas vermelhas que vêm de Viana, Guimarães, Ermesinde, Porto, Aveiro, Coimbra. Da Beira Baixa partiu também um comboio especial da Covilhã para Lisboa, vendido pela CP às Casas do Benfica. E do Algarve, o Intercidades de Faro veio reforçado com quatro carruagens da mesma maré vermelha, sendo que estes descem em Sete Rios onde têm transbordo em autocarro para o estádio da Luz. Ao todo, e só em comboios fretados, viajaram hoje mais de 1500 adeptos.

Jorge Jacinto diz que esta é uma aposta ganha, que é para continuar. Desde o ano passado já foram realizados 28 comboios, a maioria deles neste primeiros meses do ano e, ultimamente, a uma média de um comboio em cada quatro dias. Tudo somado já terão sido mais de 15 mil passageiros a deslocarem-se sobre carris para assistir aos jogos. E o dirigente só lamenta que algumas zonas do país não estejam bem servidas pela ferrovia porque até daí fariam marchas especiais. É o caso do Douro e da Beira Alta (a estação mais próxima de Viseu é Mangualde). E lamenta que a Refer não termine as obras de renovação entre Covilhã e Guarda porque desta última poderiam organizar comboios directos para Lisboa. No Algarve acabam por ser só as Casas do Benfica de Faro e Loulé que têm o comboio à porta. E no eixo do Oeste (Leiria, Marinha Grande, Caldas da Rainha, Torres Vedras) a própria CP desaconselhou-o a usar o comboio porque demora muito.

Na composição que vem de Braga até o revisor e a funcionária do bar são do Benfica. E lá à frente, aos comandos da locomotiva, Coutinho dos Santos também é benfiquista e não é um maquinista qualquer - para este serviço a CP destacou um inspector dos maquinistas.

A composição dá solavancos ao passar em grande velocidade pelas estações de Azambuja, Carregado, Vila Franca de Xira, Alverca. O relógio marca as 13h00 e multiplicam-se os farnéis abertos. É hora de almoço e aproxima-se a chegada e a excitação do estádio. Na estação do Oriente uma breve paragem técnica para troca de tripulação. Agora o especial de Braga atravessa Lisboa e entra, sempre em bom andamento, na linha de Sintra para se deter, suavemente, na estação de Benfica. O que os 468 adeptos benfiquistas que nele viajam não sabem é que, neste último troço, o maquinista Barradas que os trouxe até aqui é... do Sporting.

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