Avanço do exército ucraniano no Leste marca passo

Pró-russos apoderaram-se de blindados. Putin disse a Merkel que a Ucrânia está "à beira” de guerra civil. NATO afasta cenário de intervenção. Tropas russas junto à fronteira mantêm posicionamento.

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À cidade de Kramatorsk chegaram blindados com bandeiras russas ANATOLIY STEPANOV/AFP

A situação no Leste da Ucrânia era quarta-feira tudo menos clara. Depois de, na véspera, o Exército ter iniciado uma operação para recuperar zonas controladas por pró-russos, estes apoderaram-se de seis blindados na cidade de Kramatorsk.

Os blindados, que tinham entrado em Kramatorsk –  depois de na terça-feira forças ucranianas terem recuperado um aeródromo, nos arredores da cidade – surgiram mais tarde, com bandeiras russas, em Slaviansk, cidade vizinha de que os pró-russos armados assumiram o controlo no domingo. Os homens que os conduziam os veículos disseram tê-los apreendido ao exército ucraniano. O ministério da Defesa do governo de Kiev declarou que faziam parte de uma coluna que entrou em Kramatorsk, onde foi “bloqueada por habitantes”, e que foram capturados por “um grupo russo de sabotadores terroristas”.

Há também relatos de que soldados ucranianos enviados para controlar a situação no Leste terão desertado para se juntar aos pró-russos. A agência noticiosa russa Interfax noticiou precisamente que a apreensão de blindados ucranianos por separatistas em Kramatorsk teve a colaboração de desertores ucranianos.


Os homens que seguiam nos blindados quando estes entraram em Slaviansk vestiam uniformes sem insígnias — tal como os que há semanas assumiram o controlo da Crimeia —, mas com as fitas de riscas laranja e negras de São Jorge, uma ordem honorífica das Forças Armadas russas. Muitos tinham o rosto coberto por passa-montanhas negros, segundo a AFP. "Vocês são uns heróis!", celebraram populares nas ruas. "O exército está com o povo!", diziam outros. Na véspera, o clima era de tensão na cidade, devido à proximidade do exército ucraniano, que avançou para retomar o controlo de edifícios governamentais e áreas ocupadas por pró-russos em dez cidades.

Em Donetsk, onde o edifício regional do governo está ocupado desde há dez dias, a câmara foi esta quarta-feira tomada por homens armados, de rosto coberto, empunhando metralhadoras kalashnikov, armas de caça e facas. Exigiam um referendo sobre a secessão e começaram a levantar barricadas, embora permitissem a entram e saída de pessoas. "A polícia não interveio. Esta situação é surreal. Exigem que o Parlamento adopte uma lei sobre referendos locais", disse à Reuters o porta-voz do município, Maxim Rovinski.

As tropas ucranianas acusaram os grupos armados pró-russos de terem recebido ordens de "atirar para matar". O Ministério da Defesa de Kiev afirmou que dois militares ucranianos tinham sido "feitos reféns" na região de Lugansk.

A contra-espionagem ucraniana atribuiu entretanto a agentes russos a responsabilidade pelas movimentações contra o governo central no Leste da Ucrânia e acrescentou que são os mesmos que já actuaram na Crimeia, anexada pela Rússia em Março. “São os que tomaram a Assembleia da Crimeia”, disse o porta-voz Vitali Naida à imprensa.

 “À beira de uma guerra civil”

O Presidente russo, Vladimir Putin, numa conversa telefónica divulgada pelo Kremlin, disse à chanceler alemã, Angela Merkel, que a Ucrânia está "à beira de uma guerra civil". Mas os dois dirigentes manifestaram a “esperança” de que o encontro que, esta quinta-feira, reunirá em Genebra representantes da Ucrânia, Rússia, EUA e União Europeia, possa dar um “sinal claro” de regresso a um “quadro pacífico”. 

Para o Kremlin, as acções do Exército ucraniano no Leste do país representam "um recurso inconstitucional à força contra manifestações pacíficas" – afirma um comunicado que relatou a conversa. Recordando a arma do fornecimento de gás russo, Putin sublinhou a importância de estabilizar a economia ucraniana e de manter o fornecimento de gás russo à Europa.

Noutra conversa,  com o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, o Presidente russo disse que "esta escalada brutal é consequência das políticas irresponsáveis de Kiev, que tem ignorado os direitos e interesses jurídicos da população russófona". E considerou "inaceitável" o uso da força contra "movimentos civis de protesto".

O primeiro-ministro ucraniano, Arseni Iatseniuk, atribui à Rússia a intenção de querer "construir um novo Muro de Berlim e regressar à Guerra Fria". O ministro dos Negócios Estrangeiros russos, Sergei Lavrov, afirmou, por sua vez, que o Estado ucraniano "deixou de funcionar", sublinhando que "só a federalização" lhe permitirá sair da crise.

Num quadro de grande incerteza e preocupação, a NATO, deixou  claro que não intervirá militarmente na Ucrânia mas anunciou o reforço das medidas de defesa dos países membros da Aliança Atlântica situados geograficamente mais a Leste, como os bálticos e a Polónia. “Vamos ter mais aviões no ar, mais navios no mar e a preparação das forças terrestres será acelerada”, disse o secretário-geral, Anders Rasmussen, após uma reunião de embaixadores, em Bruxelas.

A NATO informou igualmente não ter registado qualquer alteração significativa nem no número nem no posicionamento das forças russas junto à fronteira com a Ucrânia. A organização tinha anteriormente quantificado em cerca de 40 mil os soldados russos ali estacionados.

Os EUA estão, ao mesmo tempo, a preparar novos canais de troca de informações secretas com a Ucrânia, noticiou o Daily Beast, segundo o qual o assunto foi discutido pelo director da CIA, John Brennan, numa visita a Kiev, durante a qual, no fim-de-semana, se encontrou com o primeiro-ministo Iatseniuk. O site norte-americano explica que os norte-americanos desconfiam de infiltrações russas nos serviços de informações ucranianos que, até Fevereiro, tinham relações muito estreitas com os congéneres russos.

No encontro de Genebra, a Rússia, pela voz do ministro dos Negócios Estrangeiros, Serguei Lavrov, deverá exigir  a “federalização” da Ucrânia. Os EUA admitem, caso os resultados não sejam satisfatórios, vir adoptar novas sanções contra a Rússia. O ministro alemão dos Negócios Estrangeiros, Frank-Walter Steinmeier, disse que não há, na reunião desta quinta-feira, “margem para o fracasso”.

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