Especialistas convidados pelo Governo desconhecem relatório sobre reforma dos sistemas de pensões

Participação dos especialistas tem sido informal e sem caderno de encargos definido.

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Leite Martins, secretário de Estado da Administração Pública. Rui Gaudêncio

Os especialistas convidados pelo Governo para ajudarem a delinear “uma reforma duradoura do sistema de pensões” desconhecem o relatório enviado à ministra das Finanças na segunda-feira à noite e que servirá de base à tomada de uma decisão quanto ao futuro das pensões a partir do próximo ano.

O documento terá sido redigido pelos técnicos da Caixa Geral de Aposentações e da Segurança Social que fazem parte do núcleo duro do grupo de trabalho e junta alguns dos contributos dados pelos especialistas.

Mas o relatório que Maria Luís Albuquerque tem em cima da mesa para analisar não foi validado, nem vincula os especialistas convidados, que não tiveram conhecimento de qualquer documento final.

“Não me pediram para contribuir ou reagir a qualquer relatório”, relata ao PÚBLICO um dos envolvidos no processo.

“Não fui confrontado com qualquer relatório”, faz notar outro dos especialistas, acrescentado que não se sente vinculado a qualquer documento. “Pediram-me para emitir um conjunto de opiniões sobre um conjunto de assuntos, mas não estou vinculado a qualquer produto final produzido pelo grupo interministerial”, acrescenta.

Pelos relatos feitos ao PÚBLICO, o grupo de trabalho tem tido um funcionamento informal. Alguns dos especialistas externos convidados pelo Governo relatam que se têm limitado a dar opinião sobre os assuntos e que produziram alguns documentos escritos por iniciativa própria. Mas não tem havido uma calendarização das reuniões, nem lhes foi atribuído um caderno de encargos, como aconteceu, por exemplo, com a comissão para a reforma do IRC. “Tem sido muito informal”, contam. 

Desde Janeiro, houve pelo menos três reuniões que juntaram o grupo de técnicos dos ministérios das Finanças e da Segurança Social com o grupo de especialistas convidados. A última foi na semana passada e nem todos os consultores externos puderam estar presentes.

E há quem não esconda o desconforto ante a gestão que o Governo tem feito de todo o processo, dando a ideia de que a solução já estava definida à partida. O documento da Comissão Europeia conhecido no fim-de-semana foi a gota de água. Depois de, há duas semanas, fonte oficial do Ministério das Finanças ter adiantado que uma das hipóteses em cima da mesa era fazer depender o valor das pensões de indicadores demográficos e económicos, a Comissão veio confirmar a informação. Mas a mesma fonte também alertava para o facto de que a reforma mais profunda dos sistemas não poderia entrar em vigor em 2015, reforçando a ideia de que o grupo de trabalho se estava a ocupar essencialmente dos cortes mais imediatos.

Em Janeiro, o Governo anunciou a criação de um grupo de trabalho “com a responsabilidade de propor, à luz dos critérios definidos no acórdão do Tribunal Constitucional (que chumbou a convergência das pensões), uma reforma duradoura do sistema de pensões” que “assegure a sustentabilidade” e a “equidade intergeracional e intrageracional”. Mas na mesma altura a ministra das Finanças também acrescentou que seria necessário encontrar uma solução para substituir a contribuição extraordinária de solidariedade (CES) que está a ser aplicada às pensões acima de 1000 euros.

Esta referência já tinha deixado alguns dos especialistas de pé atrás, por não gostarem de ver o seu nome envolvido num processo que tinha também como objectivo repetir os cortes, para manter os níveis de poupança essenciais ao cumprimento das metas do défice.

O grupo de trabalho é constituído por técnicos da CGA e da Segurança Social e é coordenado pelo secretário de Estado da Administração Pública, José Leite Martins. Para apoiar “em permanência” esta estrutura foi convidado um grupo de especialistas em Segurança Social e direito constitucional composto por Vieira de Andrade, Carlos Pereira da Silva, Fernando Ribeiro Mendes, Jorge Bravo, João Loureiro, Margarida Corrêa de Aguiar e Cid Proença.

O PÚBLICO questionou o Ministério das Finanças sobre o contributo dos especialistas convidados pelo Governo para o relatório final e quando é que o documento será tornado público, mas ainda não obteve resposta.

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