A regra e a excepção

As condições em que o Estado social se criara deixaram de existir.

Por causa do centenário, ando a ler pacientemente o clássico de Luigi Albertini, Origens da Guerra de 1914-1918, um grande livro no duplo sentido da palavra: a história meticulosa da diplomacia europeia entre 1870 até ao assassinato de Sarajevo em 1800 páginas de letra pequena, quase sem parágrafos.

Para um relativo leigo naquela especial matéria, a extraordinária boa consciência com que as Potências dividiam e redividiam a Europa e o mundo é o que impressiona mais. A Alemanha, a Inglaterra, a França, a Rússia, o Império Austro-Húngaro e, por muito favor, também a Itália discutiam, intrigavam e ameaçam por um privilégio ou por uma província, da China ao Egipto e do Adriático ao mar Negro. Todos se preparavam para ficar com a melhor parte da Turquia, quando ela se desfizesse, como se esperava, e para substituir o domínio quase universal da Inglaterra.

O resultado disto foi a guerra entre a Áustria e a Alemanha de um lado e a Rússia, a França e a Inglaterra do outro (a Itália, que só entrou em 1915, pesou pouco). A Europa saiu desta catástrofe arrasada e frágil. Lenine tomou conta da Rússia. Hitler tomou conta da Alemanha (1933). E a América, que pela primeira vez decidira um conflito europeu, decidiu impor um arranjo para a paz, que praticamente tornava inevitável uma segunda guerra (a de 1939-1945). De qualquer maneira, no meio da sua desgraça, e tirando a hegemonia da América, a Europa, durante um tempo, ainda conseguiu salvar a sua influência e a sua autoridade em grande parte da terra. Mas, depois de 1945, os sacrifícios que a derrota de Hitler exigira (55 milhões de mortos) trouxeram ao poder várias formas de “socialismo”, que acabaram por se fundir no Estado social, como agora lhe chamam.

A euforia e a confiança da época – e ambição, para hoje modesta, da gente que saía de um pesadelo – permitiram que esse Estado social (em que estava implícita a garantia de pleno emprego) pouco a pouco se alargasse e fortalecesse. Infelizmente, o papel da Europa no mundo começou entretanto a diminuir. As colónias desapareceram. E o pleno emprego também, em meados de 1960. O fosso entre a despesa doméstica e o enfraquecimento externo começou a crescer e depressa se tornou um abismo. As condições em que o Estado social se criara e dera à Europa (ocidental) um sentimento de bem-estar, de segurança e de promoção social deixaram de existir e não há engenharia financeira que as restaure. A regra era afinal uma excepção.

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