No you can’t, Putin!

Obama está errado se não adoptar uma linha dura relativamente a Moscovo.

No final do século XIX o chanceler alemão, Otto Von Bismarck, confrontado com a escalada da crise balcânica, disse que “os Balcãs não valem os ossos de um granadeiro da Pomerânia”. Parece que Barack Obama pensa o mesmo relativamente aos acontecimentos na Ucrânia, ou seja, que estes não merecem pôr em risco a vida de um só soldado norte-americano.

É certo que a Ucrânia não é os Balcãs: não é geograficamente, não é em termos de importância se tomada isoladamente, nem é pensável que possa ter as mesmas consequências que a crise balcânica, que, como é sabido, teve um papel essencial na engrenagem da I Guerra Mundial. Todavia, não só os acontecimentos ucranianos conhecem actualmente novos desenvolvimentos alarmantes, com a agitação pró-russa na zona oriental, fazendo temer pela ambição de Moscovo à faixa de território que vai da fronteira entre os dois países até ao rio Dnieper, como o que está em causa é muito mais do que a Ucrânia. Estão em causa quatro questões essenciais do mundo actual.

Em primeiro lugar, está em causa a ordem internacional. Nenhuma ordem internacional pode subsistir a prazo se um ou mais Estados acharem que podem actuar contra as suas regras, leis e instituições e nada lhes acontecer. Ora, foi justamente o que aconteceu com a invasão e anexação da Crimeia pela Rússia, uma violação clara do princípio da soberania e do respeito pelas fronteiras dos Estados. Imagine-se que o exemplo pegava e que os países com problemas com as suas fronteiras – e são muitos – resolviam fazer o mesmo, uma vez que tal parece ter custos mínimos e ganhos interessantes. Era o fim da ordem internacional.

Em segundo lugar, está em causa a definição dos papéis e modelos de actuação dos Estados no sistema internacional multipolar em emergência. Para além dos interesses geostratégicos russos evidentes na Ucrânia, como sejam o acesso ao mar Negro, e através dele aos mares quentes do Mediterrâneo, e a protecção da fronteira ocidental oferecida pelo sistema de montanhas dos Cárpatos, a Rússia está a procurar na Ucrânia essencialmente marcar o seu lugar no mundo multipolar em emergência, dentro do qual quer ser – e ser reconhecida – como uma grande potência.

Em terceiro lugar, está em causa a Rússia e a sua política para a Europa de Leste (e mesmo da Ásia Central), ou, na expressão russa, o seu estrangeiro próximo. A realidade simples é que a Rússia é uma potência revisionista, ainda que por enquanto apenas a nível regional. Isto é, ela nunca aceitou o alargamento da NATO e da UE para a sua antiga zona de influência, considera isso uma humilhação e tem como objectivo recuperar parte da influência perdida nessa zona, com destaque para a Ucrânia, a Geórgia, a Moldávia e a Transnístria. Resta saber se a sua ambição inclui as Repúblicas Bálticas, que são vistas por Moscovo como “um míssil” no seu quintal apontado a si e fazem parte da NATO. Putin não pode pensar que é livre de alterar as fronteiras na Europa de Leste sem pagar um preço demasiado elevado por isso, pois, caso contrário, nada o impede de ir mais além e anexar também a parte Sul e Oriental da Ucrânia e mesmo não ficar por aí.

Em quarto lugar, está em causa a definição do modo de relacionamento da Rússia com a UE, em particular com a Alemanha. Não vale a pena iludir a existência de uma sobreposição de áreas de influência alemã e russa na Europa de Leste. A competição, mesmo que a prazo, entre Berlim e Moscovo nessa zona-choque de placas tectónicas é inevitável e a sua forma será moldada pelo desenlace da questão ucraniana.

O que devem então fazer os EUA e a UE?

A abertura da porta da União Europeia à Ucrânia, numa perspectiva a médio prazo e traduzida por enquanto no acordo de associação, é uma boa medida.

As sanções económicas à Rússia podem ser também relativamente eficazes, como o demonstra o exemplo do Irão, desde que os países ocidentais estejam dispostos a ir mais longe do que parecem estar até agora e atinjam o núcleo duro do poder económico e financeiro que sustenta Putin no poder.

A definição de uma política energética comum, que faça cair a pique o preço do gás, sobretudo através do recurso às reservas norte-americanas, pode mesmo ser a medida mais eficaz, pelo forte impacto que terá na “economia de hidrocarbonetos” da Rússia.

É muito importante dar garantias de segurança à Ucrânia, por exemplo assumindo de forma clara e pública esse compromisso e realizando exercícios militares conjuntos entre a NATO e as Forças Armadas ucranianas.

Mas nada disto chega. Os EUA e a Europa Unida têm de criar um “pivot europeu”, que coexista com o “pivot asiático” norte-americano, devendo este compreender três medidas fundamentais:

Primeira, reforçar a importância da NATO e confirmar o seu papel como garante da defesa colectiva, acabando com a deriva da organização que dura desde a Cimeira de Lisboa de 2010.

Segunda, fazer avançar o projecto de defesa europeia, pensado como contraparte da NATO, e nunca como contraponto. Ou seja, como complemento e nunca como alternativa. Para isso, os países da UE têm de começar a fazer a sua parte e, uma vez superada a actual crise das dívidas soberanas, aumentar de forma significativa a parte dos seus orçamentos dedicada à defesa.

Terceira, avançar com a Parceria Transatlântica para o Investimento e o Comércio (TTIP). A criação de uma grande zona de comércio livre no Atlântico Norte é fundamental para evitar o declínio do Ocidente e parar a transferência de riqueza, e, a prazo, de poder, para a Ásia-Pacífico. Além disso, ela evita a “transferência” da Europa para o Leste e desloca-a novamente para o Atlântico, aspecto crucial para Portugal.

Consideradas as devidas diferenças entre os casos, Barack Obama está certo ao pensar como Bismarck: uma guerra com a Rússia é impensável. Mas está errado se não adoptar uma linha dura relativamente a Moscovo perante os recentes acontecimentos na Ucrânia. É preciso que o Presidente dos EUA diga de forma clara ao seu homólogo russo: No you can't, Putin!

Universidade Nova de Lisboa e IPRI-UNL

 

 

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