Tomar Tamiflu pode reduzir-lhe a gripe em meio dia, mais nada

Primeiro estudo comparativo dos ensaios clínicos dos medicamentos comprados pelos governos contra pandemia de 2009.

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As vendas de Tamiflu pela Roche em 2009 atingiram o valor de 3,6 milhões de dólares Siggi Bucher/REUTERS

Menos meio dia com sintomas de gripe – de sete para 6,3 dias. É o melhor que pode esperar se for um adulto e tomar Tamiflu, o mais conhecido dos dois medicamentos antivirais específicos para a gripe, que os governos de todo o mundo compraram em grandes quantidades em 2009, por causa do pânico da pandemia de gripe suína.

Esta conclusão foi alcançada pela Colaboração Cochrane, uma rede internacional de profissionais de saúde e investigadores de 120 países que analisa e compara ensaios clínicos de forma independente. No caso do Tamiflu (cuja designação não comercial é oseltamivir), produzido pela Roche, a publicação desta análise na revista médica British Medical Journal é o culminar de uma batalha de quatro anos para conseguir ter acesso a todos os dados originais e não apenas a resumos produzidos pela farmacêutica, que deixam de fora muitos pormenores importantes.

Os autores da revisão Cochrane dizem ter encontrado muitas falhas nos estudos dos antivirais da gripe – que fazem parte de uma classe de drogas denominadas inibidores da neuraminidase – que não eram relatadas nos resumos em que se basearam as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) para que os governos fizessem stocks destas drogas.

Por exemplo, ficavam de fora dos resumos efeitos secundários, ou falhas na concepção dos ensaios clínicos – como o facto de o comprimido de placebo, um produto neutro que é dado como controlo para verificar a eficácia do medicamento, ter uma cor diferente do produto em teste. Ou então que nos estudos em que se mencionava a acção do oseltamivir em casos de pneumonia, confiava-se o diagnóstico da doença ao paciente; a infecção respiratória não era confirmada através de nenhum meio auxiliar de diagnóstico, sublinha a equipa liderada por Carl Heneghan, professor de Medicina na Universidade de Oxford, no Reino Unido.

O medicamento tem alguma eficácia ao encurtar a duração dos sintomas da gripe, nos adultos e nas crianças saudáveis, que sofrem menos cerca de 29 horas. Mas nas crianças que sofrem de asma, que são aquelas que necessitariam de maior alívio no sistema respiratório, o medicamento não tem efeito. Também não reduz o número de hospitalizações nem é eficaz a prevenir a transmissão do vírus da gripe, diz a equipa.

Por outro lado, o oseltamivir tem efeitos secundários que não são desprezíveis – náuseas, vómitos, dores de cabeça, problemas renais e também psiquiátricos. Ben Goldacre, investigador e divulgador de ciência que tem uma coluna no jornal The Guardian chamada Bad Science (má ciência), traduz percentagens para números absolutos para mostrar o quão frequentes serão esses efeitos secundários: “Se um milhão de pessoas tomar Tamiflu numa pandemia, 45 mil vão vomitar, 31 mil vão ter dores de cabeça e 11 mil vão sofrer efeitos psiquiátricos. Mas isto é só para um milhão de pessoas. Fizemos stocks para 80% da população. São muitos vómitos.”

Estes medicamentos continuam na lista de medicamentos essenciais da OMS, mas a Colaboração Cochrane apela a que sejam de lá retirados. “O equilíbrio entre os benefícios e os prejuízos deve ser considerado quando se tomam decisões acerca do uso dos inibidores da neuramidase tanto para a profilaxia como para o tratamento da gripe.”

A Roche, cujas vendas de Tamiflu em 2009 atingiram o valor de 3600 milhões de dólares (2592 milhões de euros), defende o seu medicamento: “Garantimos a qualidade e integridade dos nossos dados e as provas que demonstram que o Tamiflu é eficaz para o tratamento e prevenção da gripe”, disse a farmacêutica em comunicado. No entanto, não responde em pormenor às críticas científicas.  

Outros cientistas não estão também convencidos pela revisão da Cochrane. Enrica Alteri, responsável pela secção de avaliação de medicamentos da Agência Europeia do Medicamento, rejeita a ideia de que não estavam disponíveis todos os dados dos ensaios clínicos. Disse à Reuters que esta nova avaliação não fará a agência alterar a sua posição relativamente a estes antivirais. 
 

   

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