Num debate, prefiro as ideias aos adjectivos

Erro meu o de pensar que quem quer debater um tema o gostará de fazer com quem tem ideias ou posições diferentes. Já sou suficientemente crescido para não ser tão ingénuo.

Vem isto a propósito da reacção de Maria Filomena Mónica (MFM) a algumas menções que fiz ao seu último livro em três singelos parágrafos de um artigo de opinião que escrevi e que se podem resumir da seguinte forma: MFM escreveu um livro sobre o quotidiano das salas de aula com uma sustentação empírica muito parcelar (confessar isso na introdução não elimina o facto), que as apresenta como um cenário de caos e que traça um retrato catastrófico das escolas públicas.

Acrescentei que isso agradou a muitos docentes que se sentem desanimados e espezinhados, mas também a quem convém apresentar as escolas públicas como um cenário algo dantesco, a evitar. Por essa razão, considerei “perigoso” um retrato com apenas duas cores (vermelho e negro) que esquece o que de bom é feito nas salas de aula e escolas públicas deste país. Não fui além disto, não fiz insinuações sobre as motivações da autora – apenas alertei para alguns efeitos indesejados da sua caracterização redutora –, não fiz alusões curriculares, juízos de valor académicos ou políticos.

Perante isso, MFM decidiu chamar a terreiro a sua artilharia adjectival, Eça e uma série de juízos de valor e carácter, incluindo suposições sobre algo que eu nunca escrevi.

Vou usar com generosidade o meu espaço para dar a palavra aos argumentos de MFM:

"Por experiência própria, sei hoje (…) que as escolas básicas são o terreno privado de Paulo Guinote. É esta a explicação que encontrei para este senhor ter vindo a terreiro afirmar que sou contra a escola pública. (…)

Para ele, o meu livro é tanto mais “perigoso” quanto é disfarçadamente a favor das privadas.

Há duas explicações para esta crítica. Ou Guinote não leu o livro ou está de má-fé. Aliás, nem precisaria de o ler. Bastar-lhe-ia ter visto o que escrevi para a contra-capa. (…)

Guinote julga que só ele pode dizer quais são as maleitas de que sofre a escola pública. Quem se atrever a fazê-lo sem ser debaixo da sua asa é um hipócrita que subliminarmente deseja enaltecer a escola privada."

Este senhor, por acaso, leu o livro e só no final a contra-capa, leu as declarações para o Expresso da autora e viu as entrevistas televisivas, onde notou algum cuidado da mesma em desacelerar a forma sensacionalista como o livro ia sendo apresentado, numa estratégia polemizadora que me pareceu assumida desde o primeiro momento.

Este senhor, por acaso, não escreveu ou insinou nada daquilo que MFM decidiu atribuir-lhe. MFM diz que “Guinote” se irritou, que está de má-fé, que se acha no direito de ter uma coutada – as escolas básicas, infeliz, que nem sequer as secundárias –, que atribui a outros intenções disfarçadas, hipocrisias e tudo o mais que se pode ler no seu artigo. Até sobre currículos escreve MFM, que são coisas que a este senhor, Guinote de sua graça, pouco intimidam, a par de títulos nobiliárquicos e outras formas aristocráticas de exibição de pergaminhos.

Este senhor, que continua a ser designado com muito orgulho por “o Guinote”, não escreveu nada disso, nem sequer na contra-capa do artigo. Porque considera que assuntos sérios não se discutem de forma demasiado adjectivada. O “Guinote” é apenas alguém que considera que o debate de ideias se faz com… ideias. E argumentos. Ora, o livro de MFM tem apenas um argumento central – o caos tomou conta das salas de aula das escolas públicas e, perante isso, os pobres ficarão em guetos e os ricos em aquários (cito livremente a tal contra-capa).

O meu contra-argumento é muito simples: as salas de aula não são apenas espaços de desordem e desrespeito, mesmo se algumas são, e as escolas públicas têm coisas muito boas que não são destacadas no livro de MFM, talvez porque o material de base que usou tem um olhar demasiado estreito sobre a realidade escolar. Ou porque o intuito de “denunciar” levou a primazia sobre qualquer outra finalidade.

“Guinote” gosta de debater os temas com um mínimo de etiqueta e boas maneiras, sendo truculento apenas o quanto baste quando as situações o exigem. Não é este o caso, pois uma polémica baseada em adjectivos é uma polémica pobre. E considerar “injurioso” o artigo original deste senhor, só porque não é encomiástico, apenas faz “Guinote” sorrir.

Numa coisa “Guinote” está de pleno acordo com Maria Filomena Mónica: em Portugal, os tempos para o debate intelectual andam maus. Por falta de condições mínimas de respeito por aqueles que ousam discutir as opiniões da aristocracia instalada há décadas no espaço académico e mediático.

E termino com Ramalho, o Ortigão, em citação colhida algures… “três simples qualidades bastam para tomar qualquer senhora perfeitamente delicada e distinta: a simplicidade, a bondade, a modéstia”.

Estes oitocentistas eram uns misóginos adjectivadores do pior.

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