Seguro, o reabilitador que vai acabar com os sem-abrigo em quatro anos

Se o problema dos sem-abrigo pudesse resolver-se no espaço duma legislatura, por que nunca ninguém o fez em lado nenhum? A resposta é simples: estávamos todos à espera de António José Seguro

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José Manuel Ribeiro/Reuters

Numa visita à Associação Cais, instituição dedicada à causa das pessoas sem-abrigo, António José Seguro prometeu criar as condições para acabar com as pessoas a viver na rua no espaço duma legislatura. E dá depois a receita política para atacar o problema no quadro do Estado Social.

Se estivesse mais informado sobre o trabalho que o Núcleo para a Integração das Pessoas Sem Abrigo está a realizar há já alguns anos perceberia que aquilo que apresenta como as suas ideias para a resolução do problema já está no terreno. O NPISA é uma estrutura interinstitucional constituída no Porto que reune recursos de 64 parceiros, com o objetivo de retirar da rua pessoas em situação de sem-abrigo, criando condições para a sua integração social. Assume-se como um projeto alternativo às intervenções sociais clássicas (junta Serviços Públicos, Instituições Particulares de Solidariedade Social, Academias, Organizações Voluntárias e ainda voluntários em nome individual) e foi criado no âmbito da Estratégia Nacional para a Integração da Pessoa sem abrigo, da Segurança Social.

Que o líder do PS possa reforçar o que está a ser feito quando e se vier a ser chefe de Governo é de saudar. O que, pelo contrário, nos inquieta é que pense que encontra a solução no espaço duma legislatura. As pessoas a viver em situações diversas que reunimos na etiqueta “sem-abrigo” (na rua, em casas ou outras estruturas abandonadas, em quartos de pensões, em casas abrigo de IPSS, em albergues noturnos) é uma circunstância que tem muitas décadas em qualquer grande cidade, mas que se agravou nas do mundo ocidental e em particular na Europa a partir do início dos anos 90. Não é aqui lugar para aprofundar as razões que, no caso português, levaram um fenómeno que era praticamente residual a ter hoje uma expressão que não é apenas de Porto e Lisboa, atingindo agora também cidades de tamanho médio.

Leviandade

Queremos apenas chamar a atenção para a leviandade das declarações dum líder político que quer ser primeiro-ministro de Portugal. Senão então, mal por mal, deixamo-nos ficar com Coelho, o homem que nos corta à ração e já fez uns quantos nossos concidadãos chegarem realmente à situação de pessoas sem-abrigo. Esta é talvez a melhor explicação para as declarações de Seguro: está ansioso por desfazer tudo quanto o que o seu rival faz.

Já tivemos no início do milénio no Porto um vicepresidente da câmara que acabava com os arrumadores num ano. Seguro é mais modesto, levará quatro. O tal vicepresidente não acabou com os arrumadores, - acabou com a sua própria credibilidade. O que une estes dois políticos é a ideia simplista, quase no limiar do défice cognitivo, que têm de problemas sociais especialmente complexos. Parecem ignorar que emergem como fim de linha dum conjunto de mecanismos que cruzam o macro e o microssocial, desde as políticas neoliberais globais às instituições locais, desde a crise do Estado Social à crise da família – e tudo isto cruzado ainda com problemáticas individuais, porque um arrumador ou uma pessoa sem-abrigo são um indivíduo, com a sua singularidade,as suas contradições internas, os seus problemas e, às vezes, as suas perturbações.

Se o problema dos sem-abrigo pudesse resolver-se no espaço duma legislatura, por que nunca ninguém o fez em lado nenhum? A resposta é também ela simples: porque estávamos todos, todos e em todos os lados, à espera de António José Seguro.

O mundo está cheio de reabilitadores, de almas benfazejas, de missionários laicos. Seguro habilita-se a reabilitador. Mas, enquanto não chega a hora de nos governar, podia ir começando por reabilitar a política. O primeiro passo para esta reabilitação é pensar antes de falar, é saber do que se fala de cada vez que se fala, é não fazer como Passos Coelho quando queria derrubar Sócrates e teve aquela célebre frase: “Basta de sacrifícios!”.

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