Novo rosto iraniano na ONU participou na crise dos reféns em Teerão

Casa Branca tenta convencer o Governo de Hassan Rohani a desistir da ideia, classificando a nomeação de Hamid Abutalebi como "extremamente perturbadora". Diplomata experiente, Abutalebi é visto como um moderado, próximo do actual Presidente.

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O edifício da Embaixada dos EUA em Teerão ATTA KENARE/AFP

Num momento em que as relações entre os Estados Unidos e o Irão parecem começar a sair da rota de colisão, devido às negociações sobre o programa nuclear, uma nomeação diplomática traz de volta fantasmas com mais de 30 anos: o futuro embaixador iraniano na sede das Nações Unidas, em Nova Iorque, foi um dos estudantes envolvidos no longo sequestro na embaixada norte-americana em Teerão, entre o final de 1979 e o início de 1981.

As autoridades iranianas enviaram ao Departamento de Estado norte-americano um pedido para a atribuição de visto a Hamid Abutalebi, um experiente diplomata que já foi embaixador do Irão em Itália, na Bélgica e na Austrália. O destino de Abutalebi é a sede das Nações Unidas, onde será representante permanente, o que obriga o Governo dos Estados Unidos a autorizar a sua entrada no país, ao abrigo de um acordo assinado em 1947 com a organização.

Hamid Abutalebi já era falado há algum tempo nos corredores da diplomacia internacional, mas só no início desta semana começaram a ser unidos os pontos entre o seu nome e a tomada de reféns em Teerão por um grupo composto por centenas de estudantes, no auge da revolução islâmica que depôs o xá Mohammad Reza Pahlavi, no final da década de 1970. A operação, iniciada a 4 de Novembro de 1979, resultou no sequestro de 66 norte-americanos, entre diplomatas e civis – 13 mulheres e afro-americanos foram libertados em meados do mesmo mês; um foi libertado em Julho de 1980, por doença; e 52 ficaram retidos durante 444 dias, até 20 de Janeiro de 1981.

O nível de envolvimento de Hamid Abutalebi não é claro – o diplomata afirma que serviu apenas de tradutor durante a libertação do grupo de 13 reféns, na fase inicial da operação, e que nem sequer estava em Teerão quando tudo começou.

"Eu estava em Ahvaz [cerca de 550 quilómetros a Sul de Teerão], e por isso nunca poderia ter participado. Quando regressei a Teerão, pediram-me para ajudar numa tradução e eu aceitei. Fiz a tradução durante a conferência de imprensa em que foi anunciada a libertação das mulheres e dos afro-americanos que trabalhavam na embaixada", disse Hamid Abutalebi ao site de notícias Khabar Online, próximo da linha mais moderada, representada pelo actual Presidente, Hassan Rohani.

Mas a falta de pormenores sobre o seu envolvimento – e o facto de ser descrito por vários colaboradores como um moderado – não afastou o incómodo da Casa Branca nem acalmou a revolta dos reféns e das suas famílias, e de vários congressistas norte-americanos.

Na conferência de imprensa diária no Departamento de Estado, a porta-voz Marie Harf deu a entender que a Casa Branca está a tentar convencer o Irão a escolher outro representante. "Não vou entrar em pormenores, mas posso dizer que esta nomeação seria extremamente perturbadora. Estamos a estudar o caso com muita atenção, e transmitimos as nossas preocupações sobre esta possível nomeação ao Governo do Irão", disse a porta-voz.

O senador republicano Ted Cruz (um dos rostos mais conhecidos do movimento radical Tea Party) foi muito mais longe, e já apresentou uma proposta de lei que tem como objectivo "impedir a entrada de terroristas nos EUA como embaixadores da ONU". "É de uma inconsciência total que, em nome do protocolo diplomático internacional, os Estados Unidos sejam forçados a receber um estrangeiro que mostrou um desprezo brutal em relação ao estatuto dos nossos diplomatas que estiveram no seu país", afirmou o senador.

Num comunicado enviado à agência Reuters pelos advogados dos reféns norte-americanos – que exigem uma indemnização das autoridades iranianas –, um dos homens que estiveram sequestrado 444 dias, Barry Rosen, classificou a possível entrada de Hamid Abutalebi como "uma vergonha" e disse que "ele nunca poderá pôr um pé em território americano".

Abutalebi é visto como um moderado, próximo de Hassan Rohani e dos antigos Presidentes Mohammad Khatami e Akbar Hashemi Rafsanjani.

"Ele é um progressista. Muitos dos estudantes daquele tempo tiveram destinos estranhos. Muitos dos líderes de então ou estão presos ou foram renegados pelo Governo", disse à Reuters Mashallah Shamsolvaezin, um reputado jornalista iraniano que já foi detido várias vezes por "ofensas aos princípios islâmicos".

Muitos dos estudantes que tomaram de assalto a Embaixada dos EUA em Teerão, há 35 anos, são agora moderados e reformadores, como a porta-voz do grupo, Masumeh Ebtekar, nomeada vice-presidente do Irão no ano passado por Rohani, depois de ter ocupado a mesma posição entre 1997 e 2005, durante a presidência do também reformador Mohammad Khatami.

Outros dois exemplos são Mohsen Aminzadeh, vice-ministro dos Negócios Estrangeiros de Khatami, e Mohsen Mirdamadi, líder do partido reformista Frente de Participação do Irão Islâmico. Décadas depois de terem ajudado a planear e a executar a tomada de reféns norte-americanos, Aminzadeh e Mirdamadi foram condenados a penas de prisão na sequência dos protestos contra a reeleição de Mahmoud Ahmadinejad.

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