Programa de troca de seringas a toxicodependentes atingiu mínimo histórico

Distribuição em centros de saúde está a ter problemas, diz associação de consumidores. No ano passado, só 3% das seringas foram trocadas nestas estruturas de saúde.

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Farmácias abandonaram o programa de troca de seringas no final de 2012 AFP

O programa de troca de seringas, destinado sobretudo a evitar o contágio do VIH entre consumidores de droga por via injectável, existe desde há 20 anos. À excepção do ano de arranque, nunca o número de seringas distribuídas foi tão baixo como no ano passado, foram apenas trocadas 952.652, uma diminuição de cerca de 130 mil face a 2012. Foi o primeiro ano desde que deixaram de ser distribuídas nas farmácias. O director nacional do Programa Nacional para a Infecção VIH/sida, António Diniz, diz que vão tentar que estas estruturas voltem ao programa. No ano passado, só 3% das seringas foram distribuídas em centros de saúde.

A troca de seringas, em que o consumidor de droga entrega uma usada e recebe uma nova, é há anos considerado um exemplo de sucesso na prevenção da transmissão do contágio por VIH. Arrancou em 1993, nessa altura apenas com 277.095 seringas trocadas mas desde então os números andaram acima dos dois milhões, como cinco anos em que a barreira dos três milhões foi superada. Em 2011 ficou-se pouco acima do um milhão (1.210.000), em 2012 manteve-se em 1.086.400. Esse foi o último ano em que as seringas puderam ser trocadas nas farmácias que fazem parte da Associação Nacional de Farmácias (ANF), nesse ano havia 1224 estabelecimentos aderentes.

António Diniz lembra que a ANF decidiu suspender a sua participação no programa mas que o argumento económico nunca foi formalmente transmitido à tutela, disse à margem do colóquio Políticas de Droga e Saúde, que decorreu esta terça-feira no auditório da Assembleia da República. Mas é a questão financeira que está em causa.
“As farmácias estão disponíveis para negociar, mas no actual contexto económico não é possível continuar a ter este ou outro tipo de intervenções de forma gratuita”, disse à Lusa no mês passado, Cristina Santos, responsável pelo departamento de serviços farmacêuticos da ANF.

O secretário de Estado Adjunto do ministro da Saúde, Leal da Costa, admitiu recentemente que o programa da troca de seringas com as farmácias “é negociável” e que “teria gostado muito de ter renovado o acordo com a ANF”. Leal da Costa sublinhou à Lusa que não está em causa a entrega do valor da seringa, “pois é o Estado que o faz na totalidade”, o que está em causa são “os segundos ou minutos necessários para aceitar uma seringa e entregar outra. Se a Associação Nacional de Farmácias considera que isto pode ser um peso excessivo em termos de trabalho desenvolvido para ser ressarcida por isso, não sou eu que vou discutir”, comentou. António Diniz disse ontem aos jornalistas que no início de Abril vai convidar as associações de farmácias a sentarem-se à mesa, para ver “se há hipóteses de voltarem ao programa”.

O ano passado foi o primeiro em que o programa passou a ser assegurado pelos centros de saúde, além das organizações não governamentais, incluindo equipas de rua. Mas olhando para os números do ano passado, divulgados pelo responsável, constata-se que só 28.624 das 952.652 seringas foram trocadas em centros de saúde, ou seja, cerca de 3%.

Sérgio Rodrigues, presidente da associação CASO (Consumidores Associados Sobrevivem Organizados), refere que do levantamento que fizeram em 27 centros de saúde de Lisboa, Porto, Gaia, Viseu e Barcelos, entre Dezembro e Março deste ano, encontraram várias falhas no novo programa de troca de seringas. “Só seis centros de saúde é que tinham seringas e nenhum consumidor lá tinha ido”. Inquiriram 22 consumidores que dizem que não iam aos centros de saúde porque se “sentiam discriminados”. O responsável nota que “a confidencialidade está em causa”. Sérgio Rodrigues, que é ex-consumidor, diz ter ele próprio feito a experiência. Foi a um centro de saúde pedir para trocar seringas e uma administrativa disse, alto e bom som, “está aqui um senhor para trocar seringas". "Toda a gente ficou a olhar para mim”, sublinhou.

Ao mesmo tempo, diz que os centros de saúde que supostamente fazem a troca “estão longe dos locais de consumo e tráfico, as farmácias eram próximas. Os consumidores não se deslocam”. Face às falhas detectadas, diz que “a cada dia que passa aumenta o risco de contágio com VIH e hepatite C. Os centros de saúde não são uma solução”.
António Diniz aponta algumas falhas ao relatório da Caso mas diz que poderá haver situações a resolver. Diz que vai haver uma relação dos centros de saúde abrangidos pelo programa no site da Direcção-Geral de Saúde e os centros de saúde que fazem troca têm que passar a estar identificados no local.

António Diniz reforça que as equipas de rua e os postos móveis aumentaram o seu papel na troca de seringas e que nas farmácias eram distribuídas um terço das seringas. O responsável lembrou que a diminuição da infecção por VIH entre consumidores de droga injectável Portugal é um caso de sucesso, esta população representava no ano passado apenas 6,5% dos novos casos de infecção, disse.

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