Fim de festa

Se se tem notado, e com boas razões, uma identidade comum ao novo cinema romeno, que ultrapassa autores e filmes específicos para se assumir como marca de tipo mais colectivo (o Mãe e Filho de Calin Peter Netzer que está em cartaz é outra ocasião para aferir isso), forçoso é reconhecer também um indisfarçável ar de família a muito do cinema que nos tem chegado dos países do sul da América do Sul, Chile e Argentina (a que talvez se pudesse acrescentar o Uruguai, de que têm chegado menos espécimes para observação).


Este chileno Gloria identifica-se logo, pela maneira como se agarra a uma personagem central, a homónima protagonista, uma cinquentona divorciada, solitária mas instalada na esquina entre a ansiedade e a permanente disposição para a festa, num “estudo de personagem” sustentado pelo tour de force da intérprete (Paulina Garcia, que diligentemente cumpre a missão de carregar boa parte do filme às costas) e lançado num mundo dado por “sinais” políticos e sociais que em última análise poderá ser, esse mundo (quer dizer: a sociedade chilena, o Chile) o verdadeiro objecto assim posto sob ínvia observação.

Embora menos psicopata, Gloria é um parente feminino do Tony Manero que há uns anos lançou Pablo Larraín (de resto, um dos produtores do filme de Sebastian Lélio), a singularidade da figura protagonista a servir de plataforma razoavelmente enigmática para o ambiente em volta, espécie de espelho fosco que absorve os reflexos (a TV, por exemplo), codificados, não-explicados, emitidos pelo Chile em que acção se desenrola.

A relação com a música, bastante eclética (de Bach a êxitos disco), é outro ponto de contacto, funcionando como comentário, na melhor das hipóteses, mas também como uma forma de sedução, de “chamada” do espectador, e aqui de modo menos subtil. É finalmente o que nos impede uma adesão plena a Gloria, filme que tem vários momentos fortes e uma protagonista notável mas que se aproxima bastante da sensação do cumprimento calculista de uma fórmula. Que melhor ou pior executada, pouco importa, pretende dar a ver o mundo (ou um mundo preciso) como um cativeiro, sem perceber que também o filme vive, à sua maneira, dentro duma forma de cativeiro.

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