Por uma sociedade decente: salário mínimo e trabalhadores pobres

Portugal é um dos países da União Europeia com uma das taxas de contratos de trabalho não permanentes mais elevadas.

Num momento pós-crise financeira internacional (que iniciou em 2008), e em que profundas mudanças sociais têm influenciado a vida económica europeia e nacional, em Portugal continua a preconizar-se a necessidade de flexibilizar o mercado de trabalho, propondo-se reformas laborais que passam, por um lado, por facilitar os despedimentos, e, por outro, por reduzir salários.

Ora, desde o início desta crise que, um pouco por todo o mundo, o tema das desigualdades sociais entrou no debate público, político e académico, como central, sobretudo atendendo aos efeitos corrosivos destas em áreas fundamentais da sociedade, assim como ao aumento da pobreza e da segmentação laboral.

E, discute-se, por exemplo, nos EUA, país onde, não obstante a tradicional mobilidade social, segundo a OCDE, no conjunto dos países que a integram, se regista agora o mais alto nível de desigualdade, à exceção do México. Mesmo quando os lucros das empresas norte-americanas continuam a aumentar, a verdade é que a grande maioria dos salários não acompanha esse movimento, situação que tem originado diversas reflexões sobre a necessidade de distribuir os ganhos de forma mais equitativa, sob pena de a economia não conseguir gerar procura suficiente para se autossustentar e se perder coesão social. De facto, diversos estudos comprovam que, cada vez mais, pessoas e famílias que antes desta crise não eram pobres vêm caindo em situações de pobreza, sendo particularmente significativo o aumento do fenómeno dos denominados “trabalhadores pobres” (working poor). Por exemplo, de acordo com dados do Bureau of Labor Statistics norte-americano, em 2011 46,2 milhões de pessoas eram pobres e 10,4 milhões (22,5% dos pobres) eram “trabalhadores pobres”, ou seja, working poor, aí definidas como as pessoas que passam 27 semanas ou mais do ano a trabalhar mas cujo rendimento está abaixo do nível de pobreza. E se, maioritariamente, estes “trabalhadores pobres” estavam vinculados a tempo parcial, a verdade é que se regista um número crescente de pessoas que trabalham a tempo completo e, ainda assim, são pobres. Este problema tem, aliás, sido base para os democratas argumentarem, e em prol de uma sociedade decente, pelo aumento do salário mínimo, argumentando-se que esta medida tem por efeito estimular o consumo e, consequentemente, criar mais empregos do que os que são destruídos.

Além do mais, parece consensual afirmar que o desemprego não é o único responsável pelas desigualdades; também o aumento do recurso aos vínculos contratuais precários tem fortes repercussões nas desigualdades, pois dependendo, por exemplo, do nível salarial de certo país, pode uma pessoa estar empregada – a tempo parcial – e viver abaixo do nível de mínimo de subsistência. O que se tem verificado é que nos países (como os EUA, Espanha ou Portugal) onde havia já uma pronunciada segmentação do mercado de trabalho antes desta crise, a situação se agravou com a destruição de emprego permanente e sua substituição por emprego não permanente, baseado em formas de contratação precárias, em vínculos laborais a termo e a tempo parcial, empregos em geral muito mal remunerados, uma vez que as empresas tendem a estabelecer uma dupla gestão dos recursos humanos, marcando desigualdades salariais (embora, pelo contrário, na América Latina, historicamente com uma mobilidade muito baixa, nesta última década, nalguns países a mobilidade social tenha aumentado, a pobreza e as desigualdades reduzido). O que a desigualdade assinala é não só a diferença nos rendimentos entre pessoas com a mesma qualificação mas também a dificuldade de acesso a bens e serviços como, por exemplo, ao sistema de ensino, condicionando a mobilidade social ascendente no futuro.

Portugal é um dos países da União Europeia com uma das taxas de contratos de trabalho não permanentes mais elevadas, a seguir à Espanha e à Polónia, sendo também essa pelo menos parte da explicação para que a média salarial seja comparativamente muito baixa. E esta situação acentuou-se nos últimos dois anos, uma vez que, de acordo com os dados do INE, a criação de emprego tem sido explicada em grande medida pelo acréscimo de pessoas com um contrato de trabalho a termo ou a tempo parcial, sendo que também o subemprego a tempo parcial tem aumentado. Desde a entrada em vigor da Lei n.º 53/2011, de 14 de outubro (e pelas Leis n.º 23/2012, de 25 de junho, 47/2012, de 29 de agosto, e 69/2013, de 30 de agosto) que o Governo tem alterado o Código do Trabalho, especialmente reduzindo o valor das compensações por cessação de contrato de trabalho e alterando o regime dos despedimentos. Será necessário, pois, demonstrar as virtudes das intervenções legislativas e indagar do seu impacto social. Tanto mais que, no âmbito da presente crise, paralelamente ao desemprego, aumentam os casos de working poor, na sua maioria trabalhadores simultaneamente vinculados a termo e a tempo parcial, sendo fundamental perceber se, ao contrário de se revelar eficiente, esta reforma laboral tem conduzido a uma segmentação laboral crescente do mercado de trabalho e a um incremento do número de trabalhadores pobres.

Professora universitária e investigadora

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