Scones inteligentes

A Maria João é uma pessoa que não se deixa ficar. Se gosta de uma coisa que tem coisas de que não gosta inventa uma maneira de fazê-la sem elas.

Isto aplica-se a todas as coisas da vida. Vou dar apenas um exemplo prosaico: os scones. Em Londres comemos scones exímios e mal cá chegámos pus-me a fazê-los conforme a voz que me está no sangue.

Levam manteiga, açúcar, farinha branca e leite gordo e ficam bem. A Maria João não gosta, com razão, de açúcar e de farinha refinada e, com ou sem razão, não gosta nem de manteiga nem de leite gordo, por serem muito gordurosos.

Enquanto eu fazia os scones caretas ela pôs-se a inventar uns scones alternativos com farinha integral, adoçante líquido da Lihn, queijo-creme e buttermilk. O único ingrediente comum era o baking powder Royal, portuguesíssimo.

Fez tudo a olho e a dedo, sem ligar nenhuma ao meu aviso que os pasteleiros fazem tudo com precisão de peso. Adoptou o método inglês de misturar a farinha com a gordura láctea (neste caso o queijo Philadephia) mas mediu tudo tactilmente, até a mistura pegar-se aos dedos. Depois provou: o sinal de quem cozinha seriamente.

Implorei-lhe que não experimentasse. Expliquei-lhe que era impossível inovar. Pensei, pomposamente, que estava a defender a minha dama.

Já adivinharam o resultado: os scones dela, para além de serem muito mais saudáveis,foram e são muito mais saborosos e sconianos.

Ousar é ganhar: mas só no caso dela. Não há lição mais deliciosa.

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