É quase isso: eu já dormi numa conferência

Nas conferências, toda a gente está a escrever. O gajo da luz e o do som, o funcionário do bar. Até eu, mas isso é por causa deste texto. Ao meu lado, uma miúda também, para resolver um “sudoku”

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juicyrai/Flickr

Nas conferências, todas as pessoas estão extraordinariamente atentas. Não porque devam, mas porque há uma espécie de concurso para determinar quem está mais atento. Os níveis de atenção são tão elevados que, se uma mosca estiver a incomodar, alguém a consegue apanhar com o poder da mente. Toda a gente está capaz de reinventar a lâmpada. Ou a “Bimby”.

Todos os espectadores estão com níveis de atenção iguais à dos homens que, nos centros comerciais, estão a ver futebol, em frente às montras. Se passar uma manada de elefantes, atrás deles, eles não reparam. Se passar uma miúda gira, em frente à montra, deslocam o olhar, desde que não esteja a decorrer uma jogada de perigo.

Nas conferências, a aprovação é, na maioria das vezes, geral e acrítica. Tal como num congresso do PCP. Com uma diferença: nas conferências, podemos discordar, ou mesmo sair da sala, quando quisermos.

Estão todos de acordo. Menos um: o gajo que, no final, vai fazer as perguntas incómodas. “Por que está aquele gajo a ver pornografia? Por que está aquela senhora a mascar chiclete de boca aberta?”.

(Uma pergunta: nas conferências sobre pornografia, o que vêem os espectadores, no computador, em caso de tédio?)

Nas conferências, toda a gente está a escrever. O gajo da luz e o do som, o funcionário do bar. Até eu, mas isso é por causa deste texto. Ao meu lado, uma miúda também, para resolver um “sudoku”.

Há um gajo tão atento, que o mudaram de lugar, por causa do projector, e ele continuou a escrever. Escreveu tanto que o orador se sentou ao lado dele, no fim, para aprender um pouco mais. Mas não conseguiu: o gajo continuou a escrever.

Porém, é possível perder o interesse nas comunicações. Para resolver esse problema, proponho uma cadeira que dê choque. Ou colocar os conteúdos da conferência no Facebook. Aliás, as aulas deviam ser assim: um aluno ia ao Facebook, via o vídeo de um homem a fazer trapézio em cima de um lago com crocodilos; a seguir, via uma publicação do professor a dizer que “o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos”; a seguir, via uma fotografia de uma miúda gira. Em todas, colocava um “Like”.

Talvez não: o vídeo dos crocodilos era um pouco aborrecido.

Todos os espectadores de uma conferência deveriam ter um balão, que rebentasse, quando se perdesse o interesse. Algumas conferências iriam parecer uma festa de aniversário de uma criança, quando um miúdo traquina descobre como rebentar balões.

Há conferências em que os oradores dizem tantas piadas que sentimos estar num espectáculo de “stand up comedy”, mas com apontamentos.

O “coffee break” demora tanto tempo que, muitas vezes, quando voltamos para a sala, estamos na conferência do dia seguinte.

Uma vez, dormi numa conferência. Era aborrecida e nenhum dos oradores dizia piadas. Se tivesse o computador, ainda me teria mantido acordado. Mas não seria para ver pornografia.

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