Para sentar, deitar e apanhar sol

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A malta vai para uma cidade qualquer na Europa central, só para dar um exemplo, e basta um solinho tímido para que todos os espaços verdes estejam ocupados por pessoas que tiram os sapatos, arregaçam as calças e se entregam ao sol. Se o sol for verdadeiramente quente, então, é a loucura — o jardim transforma-se numa verdadeira praia, quase com os mesmos níveis de descontracção e pele exposta. Por cá, não temos esse hábito, e confesso que sempre tive pena disso. Mas as coisas estão a mudar e já é possível ver pés descalços, troncos despidos e pernas ao sol no centro do Porto.

Quando passo pelo Jardim das Oliveiras num dia de sol (o que só aconteceu nas últimas semanas), sou obrigada a pensar que a culpa de não nos entregarmos mais vezes à arte de fingir que o relvado é uma espécie de praia sem areia não era, afinal, nossa. Era dos nossos jardins. Os nossos jardins românticos, moldados em canteiros floridos, ocupados por árvores e bancos ordenados, coretos e estátuas, eram bonitos para ver e passear, mas não nos convidavam a sentar ou deitar na relva. Já desconfiava que a questão era essa, quando via famílias e grupos de amigos esparramados ao sol nos vastos relvados do Parque da Cidade. Mas agora não tenho dúvidas, é mesmo assim.

O motivo para esta minha nova certeza é — repito — o Jardim das Oliveiras, que nasceu no topo do empreendimento comercial Passeio dos Clérigos, construído na antiga Praça de Lisboa, à sombra da Torre dos Clérigos. Ainda ontem lá passei, com um sol quentinho, a cheirar mais a Verão do que à Primavera, e a relva sob as oliveiras estava cheia de gente. Grupos de jovens estendiam-se com o à-vontade de quem está em casa, de rostos voltados para o sol, ou sentavam-se em círculo, partilhando conversas e cervejas. E, não, o espaço não estava cheio de lixo. Se alguém tinha abandonado por ali latas ou garrafas no dia anterior, já não havia vestígios delas.

No centro do jardim, povoado por 50 oliveiras, continua por ocupar a cafetaria, apesar de o espaço verde com 4500 metros quadrados já ter sido inaugurado em Novembro. Mas nenhuma das pessoas que ocupa o jardim parece muito preocupada com isso. Afinal, por baixo daquele telhado transformado em campo ou em redor, não faltam locais onde comprar bebidas ou algo para trincar. Ainda que seja esquisito ter uma espécie de ruína antes de o ser, ali, plantada, num espaço novo.

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Quando a estrutura em betão, criada pelo gabinete do arquitecto Pedro Balonas, estava a ser construída, não faltou quem lhe torcesse o nariz

Não sei se o Jardim das Oliveiras é consensual, mas parece-me que os portuenses gostam dele. Quando a estrutura em betão, criada pelo gabinete do arquitecto Pedro Balonas, estava a ser construída, não faltou quem lhe torcesse o nariz. Num espaço aberto, afundado, escondendo-se do resto da cidade, nascia de repente uma massa de betão, que escondia a visão plena que se tinha da Torre dos Clérigos ou do casario em torno da livraria Lello & Irmão, dependendo do ponto de vista. O projecto, conhecido desde 2008, tardou em sair do papel e em ganhar corpo, mas, quando finalmente se instalou na antiga Praça de Lisboa, deixada ao abandono há anos, já não era o mesmo.

Em 2012, percebia-se que, afinal, o corpo cinzento de betão tinha pretensões de se abrir à cidade, fracturando-se em dois e deixando-se atravessar por um corredor largo, a céu aberto, a que os seu promotores chamaram “rua” e que se alinhava entre os dois pontos fortes turísticos em cada um dos extremos da nova estrutura — a Lello de um lado e os Clérigos do outro. Os narizes que se tinham torcido provavelmente não se distorceram e haverá aqueles que continuam torcidos até hoje, mas duvido de que o façam em relação às oliveiras.

Afinal, elas até já andaram por ali. Porque não foi por acaso que alguém se lembrou de plantar oliveiras em cima de um empreendimento comercial junto à Torre dos Clérigos. Aquele local foi, durante séculos, um campo coberto por essa espécie, que se estendia até onde está hoje a Rua das Oliveiras. A chegada do cimento fez com que as oliveiras desaparecessem, por isso há alguma justiça poética no facto de agora elas estarem de regresso, no topo de uma estrutura de betão. Só por isso já é bom ter este jardim ali. Por isso e por termos onde nos deitar ao sol, mesmo no centro da cidade.     

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