Voluntariado em África, na ilha do leve-leve

Ao viver na ilha, a pouco e pouco vamos sendo envolvidos pelo leve-leve... Esse espírito tão santomense que nos ensina que não é preciso ter pressa

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Filipe Machado

Olho pela janela e vejo o branco das nuvens dar lugar ao azul do céu e do oceano onde se recorta aquela ilha verdejante. Fecho os olhos e penso nos planos que fiz para esta viagem, quando um solavanco ao tocar o chão marca o tão ansiado momento – chegámos. Ao sair do avião o calor húmido faz com que a antecipação se transforme num choque de realidade. Estamos em São Tomé.

São Tomé e Príncipe é um pequeno paraíso perdido na Linha do Equador, descoberto pelos portugueses e que pede para ser redescoberto a cada dia. Não é apenas a beleza natural das paisagens, a variedade infinita de frutas maravilhosas ou as imersões na época colonial que uma simples visita a uma roça proporcionam... É também a possibilidade de conhecer as pessoas na sua inesgotável hospitalidade e de trocar um pouco de tempo e alma ao ouvir as suas histórias. Pessoas simples, de coração grande e que rapidamente ficam no coração, facilmente se percebe que o melhor de São Tomé e Príncipe são mesmo os santomenses.

Soltamo-nos das amarras da rotina e vamos, com o ânimo e a ilusão de que ao dar o que somos podemos de alguma forma melhorar a vida das pessoas com que nos iremos cruzar. O que se encontra é um pais vibrante, cheio de potencial, mas ainda subdesenvolvido e dependente. Um país onde apesar da pobreza não há violência nas ruas; onde se tem conseguido impor um travão à malária e à tuberculose e onde as artes e a cultura vão conquistando cada vez mais o seu espaço. Uma terra onde as pessoas vivem felizes — inequívoca e genuinamente felizes.

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Filipe Machado

Ao viver na ilha, a pouco e pouco vamos sendo envolvidos pelo leve-leve... Esse espírito tão santomense que nos ensina que não é preciso ter pressa! De início, sente-se o travão que se impõe ao nosso ritmo de vida acelerado, mas é ao pôr de parte o relógio europeu para colocar o santomense, onde o tempo escorre mais lentamente, que a pouco e pouco acabamos por perceber que ao abrandar damos espaço para conseguir viver a terra, as pessoas, e mesmo nós próprios, com outra profundidade. Ao observar a mãe que entrança pacientemente o cabelo da sua filha, apercebemo-nos que a pouco e pouco também nós nos deixámos ir entrançando na cultura santomense, pelo riso fácil e generosidade espontânea das pessoas; pelos sons do kuduro e da tarraxinha; pelo sabor do peixe com banana; pelo constante regatear de preços no mercado e até mesmo pelos hábitos de inspecionar os pés à procura da temida matacanha ou de ir de boleia numa carrinha de caixa aberta. E são exatamente estas as coisas que mais deixam saudade na hora de dizer: "até já, São Tomé…"

Ao regressar a casa, é fácil sentir que, mesmo não tendo a mala mais pesada, se traz muito mais do que se levou. Que ao dar, acabamos por receber muito mais em troca e por ultrapassar os nossos próprios medos e preconceitos. Que foi um “eu” para voltar um “outro”, mais completo e mais humano. No fundo, que demos mais um passo na mais verdadeira das viagens — aquela que acontece dentro das pessoas.

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