Vereadora de Sines acusada de crime de prevaricação por aprovar moradia numa falésia

A obra está parada desde 2010 e os cidadãos de Sines interrogam-se sobre a solidez da encosta onde foi erguido o edifício que já necessitou da construção de um muro de suporte de terras.

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António Carrapato

A construção de uma moradia no alto da falésia que ladeia a Avenida Vasco da Gama, frente ao Pontal, em Sines, foi desde a aprovação do respectivo projecto de arquitectura, em Maio de 1997, rodeada de sistemática contestação. A vereadora que a aprovou enfrenta agora uma acusação de prevaricação.

A acusação surge na sequência da participação apresentada ao Ministério Público (MP), em Abril de 2009, por José Carlos Guinote, sócio-gerente da Sociedade de Urbanização da Quinta de Santa Catarina, onde está a ser erguida a moradia. Nesta queixa falava-se de "atropelos legais" nomeadamente a "violação de áreas e protecção de falésia, entre outras".

Com efeito, entre Maio de 1997 e Março de 2007, o projecto para a construção de moradia no lote nº 15 da urbanização de Santa Catarina foi sujeito a várias alterações e suspensões, reveladoras de um processo conturbado.

No passado mês de Janeiro, com base na participação apresentada por Carlos Guinote, o Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Évora elaborou um despacho onde Marisa Santos, que foi vice-presidente da Câmara de Sines, é "acusada do crime de prevaricação" por ter viabilizado a aprovação do projecto de arquitectura bem como a emissão do alvará de construção, enquanto responsável pelo pelouro de Urbanismo.

No despacho que elaborou sobre este caso, o DIAP acrescenta que Marisa Santos "viabilizou a construção de uma moradia de grandes dimensões, com inobservância das normas legais e regulamentares aplicáveis, o que suscitaria inerentes vantagens patrimoniais para o requerente da autorização".

A arguida, prossegue o despacho do DIAP "agiu sempre de forma deliberada, livre e conscientemente" e "sabia que actuava na qualidade de vereadora com poderes delegados (...) na área do Urbanismo", competindo-lhes decidir sobre o licenciamento dos processos de obras particulares do município. O documento refere ainda que Marsa Santos "sabia que não estava a observar o direito e a lei aplicáveis" quando era patente que "tal actuação estava proibida e era punida por lei".

O DIAP manteve o termo de identidade e residência a Marisa Santos que já tinha sido aplicado em 2011, na sequência de uma inspecção à Câmara de Sines realizada pela Inspecção-geral da Administração Local (IGAL) por causa do projecto de construção da moradia  e concluiu que a aprovação do projecto "indiciava suficientemente" a prática dos "crimes de prevaricação" e de "abuso de poder".

Decorre ainda no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Beja uma acção administrativa especial resultante da inspecção efectuada pela IGAL, que aguarda ainda por uma decisão final, apurou o PÚBLICO.

O ponto mais polémico que envolve este projecto reside na área de implantação e de construção da moradia. Carlos Guinote diverge profundamente dos argumentos de Marisa Santos numa carta que a vereadora enviou ao PÚBLICO no início de 2009. A vereadora dizia que o lote nº 15 tem uma área de implantação de 780 metros quadrados e uma área de construção de 213 metros quadrados, distribuída por dois pisos, uma cave e possibilidade de construção de piscina. Carlos Guinote garante que a área de implantação da casa é de 436 metros quadrados e a área de construção totaliza 885 metros quadrados distribuída por quatro pisos.

É, contudo, a localização na falésia e a volumetria do edifício que mais gera críticas. Com efeito, um estudo do Centro de Geologia de Santo André, a pedido do município de Sines, considerou ser uma área "instável do ponto de vista geológico".

As conclusões do estudo forçaram a autarquia a realizar obras de "recuperação e consolidação da rocha para evitar a desagregação e a precipitação de pedras". Segundo uma informação camarária, o investimento na consolidação de um troço da falésia realizado em 2008 ascendeu aos 140 mil euros. José Carlos Guinote, revela ainda que construção da residência implicou que a zona da falésia fosse terraplanada e rebaixada em cerca de quatro metros.

O PÚBLICO solicitou à vereadora Marisa Santos um comentário sobre a decisão do DIAP, mas a autarca recusou-se a prestar quaisquer esclarecimentos alegando que "existe um processo judicial em curso" no TAF de Beja. Faz, no entanto, questão de afirmar que está "inocente" e que mantém "inabalada" a sua confiança na justiça.

O actual presidente da Câmara de Sines, Nuno Mascarenhas alegou que, nesta fase, nada tem a declarar sobre o assunto.

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