Na Capadócia, “Natureza” escreve-se com letra maiúscula

Não escondo o entusiasmo pela viagem em balão de ar quente que me obriga a acordar às cinco da manhã. Na Turquia regatear é a palavra de ordem, logo faça uso disso. É que os valores podem cair para os 80 euros por pessoa

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Tan Shung Sin/Reuters

De Istambul à Capadócia distam entre si 600 quilómetros. Para os mais resistentes, as 10 horas no autocarro nocturno passam a correr, mas se não abdicar de uma noite que seja em Istambul, um voo doméstico até Kayseri leva menos de uma hora.

Göreme é o ponto de partida de uma viagem que lhe promete arrancar muitos “Uau” e “wow”, dependendo da nacionalidade. Mas será também um lugar onde pode, em silêncio, observar o incrível poder da natureza e talvez, porque nunca é tarde demais, fazer as pazes com ela.

Admiramos imensos vales: vermelhos, verdes, castanhos de onde se elevam imponentes formações rochosas, que os vulcões deram e o ser humano aproveitou, construindo há milhares de anos casas, igrejas, armazéns e abrigos. Património da Humanidade da UNESCO, o Museu ao Ar Livre de Göreme é apenas um exemplo do engenho dos monges cristãos, que aqui se fixaram no século III. É a maior concentração de grutas na região e dentro delas pode admirar os frescos com motivos religiosos, incluindo S. Jorge no seu cavalo.

Para trás deixo o complexo monástico e rumo a Göreme com o objectivo de confortar o estômago, mas a caminho sou atraída pelas enormes “chaminés” que compõem o “Love Valley”. Porque os olhos também comem, decido matar esta fome primeiro. Uma extraordinária paisagem cónica por onde podemos serpentear calmamente. Usadas sobretudo por agricultores, que ali conservavam colheitas, fazem parte de uma das muitas maravilhas da Capadócia, tal como Devrent, Ihlara e Pigeon Valleys.

Próxima paragem: cidade subterrânea de Kaymakli. Das existentes, trata-se da menos turística, mas curiosamente a maior horizontalmente, com oito níveis e cerca de duas mil divisões. Dentro, uma temperatura constante de 15 graus. Para perceber os meandros deste labirinto subterrâneo é necessária a ajuda de um guia, que se pode contratar no local. Só assim saberá, entre outras coisas, que Kaymakli era usada como abrigo em tempo de guerra e que possuía um avançado sistema de ventilação que, para além de ar fresco, servia como ponto de vigia.

Não escondo o entusiasmo pela viagem em balão de ar quente que me obriga a acordar às cinco da manhã. A oferta é muita e a sugestão é que não aceite preços na ordem dos 150 euros por uma hora de voo. Na Turquia regatear é a palavra de ordem, logo faça uso disso. É que os valores podem cair para os 80 euros por pessoa.

Cartão de embarque na mão e de repente já estamos lá em cima, junto das dezenas de balões que pintam de cor os céus da Capadócia. Se calcorrear estes vales é entrar num mundo encantado, imagine o que é sobrevoá-los suavemente ao nascer do sol. Os olhos falam por si e não há grandes conversações dentro da cesta, que transporta cerca de 15 pessoas. Apenas se ouve a voz do comandante que vai dando as coordenadas de navegação. Momentos há em que quase podemos tocar as rochas macias e outros em que já estamos a 900 metros de altitude. E uma vez em terra firme, a nossa cabeça vai continuar nas nuvens nos próximos dias.

Mas Capadócia é também sinónimo de gastronomia. Depois de experimentar quatro restaurantes da pequena vila, aceito o conselho de um jovem chef inglês que, tal como eu, viaja sozinho. “Trust me! Everything was so good, even the fruit”. A curiosidade aguça o meu apetite e parto em busca do restaurante Pumpkin. Apesar do selo de qualidade do Trip Advisor, situa-se fora do circuito turístico de Göreme. No entanto, é fácil encontrá-lo. Basta procurar, na avenida principal, pelas lâmpadas em forma de abóboras que adornam a entrada.

Detenho-me à porta, enquanto espero pela companhia para o jantar. A noite está fria e o dono convida-me para entrar. Recuso gentilmente e recebo em troca um chá e dois dedos de conversa. Perdi a conta à quantidade de chás que bebi desde que cheguei à Turquia, mas Ozi debita com orgulho os números de um dia normal: 20 chávenas grandes e 40 na "çay bardagi", a típica chávena turca. Um número necessário para o homem dos sete instrumentos. No pequeno e acolhedor restaurante, Ozi é cozinheiro, empregado de mesa, ouvinte e até artista em part-time. As abóboras de vários tamanhos, cores e feitios são da sua autoria.

O jantar não defrauda as expectativas de uma portuguesa, duas chinesas e uma japonesa, tendo sido elogiado das entradas à sobremesa. A minha estadia na Capadócia termina assim da melhor forma, ou seja, à mesa.

Esta crónica é a segunda de uma trilogia sobre a Turquia. Lê também a primeira.

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