Ministro do Ambiente promete derrubar mais de 800 casas clandestinas no Algarve

No imediato, vão ser demolidas as barracas dos ilhotes da ria Formosa. A seguir, vêm as casas de segunda habitação nas ilhas de Faro, Hangares e Farol. Os moradores prometem reagir.

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Rui Gaudêncio

As casas de segunda habitação na ria Formosa, por estarem em perigo, têm os dias contados. Para já, vão abaixo cerca 150 barracas situadas nos ilhotes – Ratas, Coco, Altura e Cobras. A operação irá custar entre 2,5 e 3 milhões de euros. O concurso público para a empreitada, lançado pela sociedade Polis da ria Formosa, encontra-se em fase de adjudicação. No passo seguinte, o plano das demolições dirige-se para ilha de Faro, atingindo apenas casas de segunda habitação, situadas a nascente e poente.

O ministro do Ambiente, Jorge Moreira da Silva, na semana passada, anunciou a intenção de retomar o processo das demolições, garantido já ter em seu poder a lista de 808 casas clandestinas. A operação custará 16,6 milhões de euros, a incluir no programa dos 300 milhões destinados a intervenções no litoral, com a ajuda de fundos comunitários. O presidente da Câmara de Faro, Rogério Bacalhau, admite que “há mesmo risco” para mais de duas centenas de casas na ilha de Faro, mas coloca algumas reservas. “Ainda não tenho garantias do Ministério do Ambiente de haver dinheiro para garantir o realojamento às 102 famílias de pescadores que aí vivem.”

Jorge Moreira da Silva fixou um prazo – 2015 é a data em que prevê estar concluído o plano de reordenamento do litoral, aproveitando os fundos comunitários para esta área. O plano, além da ria Formosa, inclui 27 casas em São Bartolomeu do Mar, no concelho de Esposende. Segundo um levantamento feito pelo Parque Natural da Ria Formosa, neste troço de costa há 1028 casas legais e 1631 ilegais. Na ilha do Farol, por exemplo, estão referenciadas 193 casas legais e 425 ilegais.

A designação “legal”, no caso desta ilha, depende apenas do facto de as habitações ficarem situadas na faixa sob administração do Instituto Portuário dos Transportes Marítimos (IPTM), entidade à qual os proprietários pagam um taxa anual pela ocupação do espaço. “Não vai ser fácil justificar uma situação destas”, diz Rogério Bacalhau, referindo-se às questões ambientais. “Há casas de um lado da rua [na ilha do Farol] que são para manter, do outro são para ir abaixo – não se compreende”, observa. Os moradores, fora da área de jurisdição do IPTM, estão a receber cartas de notificação, pela segunda vez, para apresentarem provas de que a casa de veraneio se destina a primeira habitação.

O presidente da associação de moradores, Feliciano Júlio, entretanto, convocou uma reunião para a próximo sábado para analisar o assunto. “Já sabemos que andaram a cruzar dados, a devassar a vida privada das pessoas, procurando encontrar pontas onde se possam agarrar para virem dizer que não é casa de residência permanente.” Porém, o dirigente associativo acha que, tal como aconteceu noutras ocasiões, “o Governo não vai ficar sem uma resposta dos moradores”.

Ilha de Faro, o risco permanente
O pescador Vasco Silva coabita com o perigo, desde que nasceu. Quando o mar se enfurece, sente o bater das ondas a aproximar-se do quarto onde dorme. A habitação, situada a oeste da ilha de Faro, já sofreu algumas ameaças de destruição, mas lá se aguentou. Mesmo ao lado, em 2010, três barracas de segunda habitação foram levadas pelas ondas. Passou o susto momentâneo, o assunto foi esquecido.    

Sílvia, 28 anos, filha de Vasco —  e, também, neta de pescadores —, assoma à casa do pai, registada com nº 88, e diz, sem hesitar: “Sabemos que viver aqui é perigoso”, mas recusa abandonar o locar sem realojamento alternativo, num local que lhe permita continuar trabalhar. “Os pescadores não podem ir viver num apartamento, precisam de armazéns onde possam guardar as redes e os covos”. O que a prende ao local, além da proximidade com o mar que alimenta a família, são razões afectivas. “Andei aqui na escola, gostava que a minha filha frequentasse a mesma escola, embora digam que está em risco de fechar por falta de crianças”.

Porém, a Sociedade Polis da ria Formosa detectou que, à lista de 1631 habitações ilegais que constam no levantamento efectuado pelo Parque Natural da Ria Formosa, teve de acrescentar mais duas centenas de casas construídas nos últimos dez anos, consequência de continuarem a surgir anexos às habitações. 

Rosário Coelho vive há quase 60 anos na ilha, já ouviu muitas declarações de  guerra aos clandestinos, não acredita em mais uma de Jorge Moreira da Silva. “Quando se aproxima o Verão, todos os anos falam disso, depois passa e fica tudo na mesma.” O facto de o mar, por mais de uma ve,z já ter galgado o cordão, não a assusta: “Habituei-me, não tenho medo.” De fora do programa das demolições fica uma centena de casas, situadas na área que está sob administração da câmara, nalguns casos prédios com três e quatro pisos.

Governo promete, o mar deita abaixo sem avisar
Muito se tem falado de demolições das barracas da ria Formosa. Porém, o resultado das declarações de sucessivos governantes não passou da intenção. A excepção aconteceu nos anos 1983/84, com Carlos Pimenta à frente da Secretaria de Estado do Ambiente. Desde o Algarve ao litoral de Alcobaça, passando por Peniche e Caparica, foram demolidas três mil casas, em 14 operações cirúrgicas. No Algarve, foi o mar que levou o que estava a sobrecarregar a duna. Na ilha da Fuzeta, em 2010, as marés vivas engoliram 29 habitações de veraneio. A então ministra do Ambiente, Dulce Pássaro, limitou-se a mandar retirar os destroços e os pedaços de parede que ficaram de pé.

O ex-presidente da Câmara de Faro, antigo secretário de Estado do Ambiente, Macário Correia, no ano seguinte, agarrou no programa Polis da Ria Formosa, para voltar à questão das casas clandestinas. De um total de 87,5 milhões de euros previstos no Polis, 20 milhões estão afectos à remoção de barracas e renaturalização do espaço. Macário Correia defendeu, como condição prévia, que o derrube das habitações só poderia ter lugar depois de estar garantido o realojamento dos pescadores. O processo caiu num impasse.

As declarações dos responsáveis autárquicos vão e vêm, conforme as marés da política. Em 2004, o então presidente da Câmara de Faro, José Vitorino, oponha-se às demolições, alegando: “Não são casas clandestinas, porque foram construídas à vista de todas as entidades, são é ilegais.” No mesmo ano, Macário Correia, na altura presidente da Câmara de Tavira (seguidor de Carlos Pimenta na política de reordenamento do litoral), afirmou: “Se tivesse casas clandestinas no meu concelho, já tinham sido derrubadas.” No empreendimento turístico do Vale do Lobo, para travar o avanço do mar sobre as falésias, em 1998 e 2002, foram investidos 2,5 milhões de euros, metade pago com dinheiros públicos, para que não caíssem as vivendas empoleiradas nas arribas.  

 

 

 

           

                

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