Orquestra juvenil de música clássica está a nascer em Moçambique

Directora artística do projecto é Kika Materula, oboísta da Orquestra Sinfónica do Porto. Orquestra é apresentada esta quinta-feira na II Cimeira Luso-Moçambicana.

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Directora artística do projecto é Kika Materula e a orquestra DR

“Xiquitsi” é o nome de um instrumento musical moçambicano. Mas é também, desde há um ano, a designação de um projecto pioneiro de formação pela música e de integração social virado para os jovens em Maputo.

Esta quinta-feira, passado um ano sobre o seu nascimento, o Projecto Xiquitsi vai ser apresentado no jantar de encerramento da II Cimeira Luso-Moçambicana que está a decorrer na capital deste país africano e que motivou a deslocação a Maputo do primeiro-ministro, Passos Coelho.

“O Projecto Xiquitsi foi convidado para fazer uma pequena apresentação num momento bastante simbólico, na medida em que não só somos um projecto único no país, no que diz respeito à inserção social através do ensino colectivo da música, como levaremos o que menos se espera ouvir quando se vai para África – música clássica”, explica ao PÚBLICO, via email, Eldevina “Kika” Materula, oboísta da Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música, e actual directora artística do Festival Internacional de Música Clássica de Maputo, no âmbito do qual aquele projecto foi lançado.

Na base do festival e deste projecto está a Kulungwana – Associação para o Desenvolvimento Cultural, que desde 2005 tem vindo a promover anualmente a realização daquele festival internacional, que tem privilegiado a música clássica e o jazz.

Quando foi convidada para dirigir o festival, Kika Materula decidiu apostar num projecto com uma vertente de formação, tendo avançado para a criação de uma orquestra juvenil de música clássica. “Até então, não tínhamos músicos profissionais e experientes a leccionar, e ainda assim os poucos que tinham acesso a este género musical tinham de ter recursos financeiros para tal”, diz a responsável. Explica que, hoje em dia, o Projecto Xiquitsi “engloba uma temporada de música clássica que tem lugar durante três semanas por ano e que está directamente ligada à vertente da formação”.

Presentemente, o projecto envolve 80 estudantes, entre os sete e os 25 anos, e quatro professores. Parte dos alunos (30) integra um coro, e uma dezena destes e os restantes estudam vários instrumentos: violino, viola, violoncelo e contrabaixo. A cada momento, a orquestra juvenil é chamada a mostrar em palco o resultado da sua aprendizagem.

“O verdadeiro músico forma-se e prova-se nos palcos. Daí os nossos músicos terem feito a sua primeira apresentação logo dois meses depois de terem iniciado a sua formação”, justifica Kika Materula, avançando que, este ano, está prevista a realização de concertos mensais – e no próximo mês de Maio, no âmbito da Temporada de Música Clássica de Maputo, a "sua" orquestra tem já agendadas cinco actuações.

Kika Materula nasceu em Moçambique e começou a estudar música aos sete anos na Escola Nacional de Música de Maputo. Prolongou depois a formação em Portugal, tendo optado pelo oboé e tendo-se licenciado na Escola Superior de Música de Lisboa. Fez a pós-graduação em Malmöe, na Suécia, e em 2001 foi uma das vencedoras, em Portugal, do Prémio Jovens Músicos. Ingressou na Orquestra Sinfónica do Porto, mas tem tocado também, como convidada, com inúmeras outras formações em Portugal e em países como a Suécia, a Dinamarca, a África do Sul e, sobretudo, o Brasil.

Neste país, Kika Materula tem sido chamada a participar no Projecto Neojiba, lançado em 2007 na  Bahia, e responsável pela formação e integração social de centenas de crianças e jovens. Este projecto, com o já histórico El Sistema, que existe há mais de três décadas na Venezuela  e cuja expressão mais conhecida internacionalmente é a orquestra dirigida pelo maestro Gustavo Dudamel –, constitui a fonte inspiradora do projecto moçambicano.

“O Xiquitsi é o resultado de um sonho que nasceu quando, em 1995, eu saí de Moçambique para estudar música em Évora. Entre os vários países que visitei, passei pela Venezuela e pelo Brasil – a este último estou ligada até hoje. Aí conheci a metodologia do El Sistema, e encontrei a ‘fórmula’ para introduzir este projecto no meu país”, explica Kika Materula. E acrescenta esperar que o Xiquitsi possa vir também a estabelecer ligação com o Serviço Educativo da Casa da Música. “Este serviço está a desenvolver um trabalho de enorme qualidade, e iremos unir todos os esforços para conseguir uma colaboração mais directa, na medida em que já temos tido alguma ajuda pessoal por parte de membros deste serviço”, avança a oboísta da Orquestra da Porto.

 Kika Materula espera que a apresentação do projecto, esta quinta-feira, na cimeira luso-moçambicana, venha ajudar à sua divulgação internacional. “Neste momento contamos com o patrocínio de várias empresas locais e estrangeiras, com uma parceria com a União Europeia, que financia o projecto Network for African Talents (NAT), do qual somos parceiros. Esperamos que a nossa apresentação nesta cimeira venha mostrar aos governos presentes a seriedade e qualidade do nosso trabalho e que este reconhecimento se traduza em apoios para este projecto, que é, sem dúvida, um projecto social”, diz a jovem directora artística.

 

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