Um disco em estado de graça

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Nuno Ferreira Santos

Uma obra caleidoscópica, que exala genuinidade, com apresentação ao vivo a 16 de Abril no Maria Matos, em Lisboa

No primeiro número de 2014 foi capa do Ípsilon. Na altura muitos terão estranhado a aposta no músico português de 29 anos que, nos últimos anos, tem tido um papel activo, embora discreto, em formações como Julie & The Carjackers, When We Left Paris ou Real Combo Lisbonense, como autor, arranjador ou guitarrista. Pois a razão está aí e chama-se How Can We Be Joyful In A World Full Of Knowledge?, primeira obra a solo de Bruno Pernadas. 

Um álbum surpreendente. Um disco solar, num país cinzento. Uma obra onde são perceptíveis filiações (dos Beach Boys a Panda Bear, de Van Dyke Parks aos Dirty Projectors, de Martin Denny aos Broadcast) mas inevitavelmente uma obra com universo próprio, capaz de se apropriar de elementos das mais diversas tipologias (pop, folk, rock, jazz, hip-hop, bossa nova, psicadelismos, ambientalismo, africanismos, exotismos vários ou electrónicas) com uma descontracção imensa e imersiva. Coisa rara por estes lados: trata-se de um disco simultaneamente bem executado e capaz de respirar espontaneidade e graça por todos os poros. 

A primeira canção, Ahhhh, é paradigmática do que se ouvirá até ao fim. Começa com vozes harmónicas pop, acordes folk, desenvolvendo-se sobre uma base rítmica vagamente inspirada no hip-hop e acaba por desembocar em dinamismos e acordes afro-funk. Tudo feito como se fosse a coisa mais natural do mundo, com espaço, tempo e harmonia. Em Janeiro, Bruno, dizia-nos que partia para a construção das canções sem uma ideia concreta. “Começo com qualquer coisa que paira na minha mente – pode ser uma melodia ou um som, e parto daí. Deixo a música respirar. O que a música pede é o que lhe tento dar. Deixo-me ir atrás.” 

Faz sentido. Existe qualquer coisa de profundamente elaborado e, simultaneamente, de intuitivo na construção desta música, para a qual contribuíram, vocal e instrumentalmente, uma série de cúmplices como João Correia, Afonso Cabral ou Ricardo Ribeiro. 

Em momentos mais próximos do formato canção, ou em temas instrumentais com apontamentos vocais, as ideias brotam subtilmente, parecendo por vezes encavalitar-se em cima umas das outras, mas na verdade fluindo, organizadas, livres e soltas. 

É uma obra de paradoxos, ousada do ponto de vista conceptual, mas exalando um perfume de simplicidade desarmante. Magnífico. 

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